MISSÃO E MINISTÉRIOSDOS LEIGOS E LEIGAS CRISTÃOS
O SERVIÇO À VIDA E À ESPERANÇA
APRESENTAÇÃO
Ressoa ainda em nossos ouvidos a palavra de Jesus proclamada na liturgia do 2º Domingo da Páscoa e na Festa de Pentecostes: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio!” (Jo 20,21). Palavra acompanhada pelo Dom do Espírito: “Recebei o Espírito Santo!” (Jo 20, 22).
Neste ano em que a atenção de toda a Igreja se volta para o Espírito do Senhor, verdadeiro protagonista da missão da Igreja, retomamos a nossa reflexão sobre a responsabilidade de todos os discípulos e discípulas de Cristo na missão de evangelizar. Fazemos isto dando continuidade aos esforços anteriores, que se concretizaram nos documentos-chave da evangelização para a Igreja no Brasil: as “Diretrizes Gerais para a Ação Evangelizadora” (1995-1998) e o Projeto de Evangelização “Rumo ao Novo Milênio”, nascido em resposta ao apelo do Santo Padre João Paulo II para a grande conversão e renovação missionária, que deve preparar a celebração dos 2000 anos de cristianismo.
A nossa reflexão se dirige especialmente aos cristãos leigos e leigas. “Missão e ministérios dos leigos” foi o tema central da nossa 36a. Assembléia Geral, reunida em Itaici de 22 de abril a 1º de maio. O tema abrange dois aspectos: a missão do leigo cristão na sociedade e os ministérios que leigos e leigas podem assumir e de fato assumem generosamente na comunidade eclesial. Trata-se de dois temas distintos, que geralmente são enfocados a partir de perspectivas teológicas diferentes. Mais: são duas diferentes áreas de atuação dos cristãos leigos, entre as quais existe às vezes distância e até pouca compreensão recíproca.
Abordando juntamente os dois temas, quisemos mostrar sua unidade na distinção, sua complementaridade, sua profícua articulação. Toda a Igreja é missionária e ministerial. A comunidade evangelizadora, guiada pelo Espírito de Cristo, é o fundamento comum da missão na sociedade e dos serviços internos das comunidades eclesiais.
O documento de estudo, que estamos apresentando, foi elaborado num prazo relativamente curto, o que dificultou a consulta a um maior número de pessoas e organismos. A reunião do Sínodo para a América em Roma (16.11 – 12.12.1997) adiou os trabalhos da Comissão de redação, ao mesmo tempo que permitiu aos Bispos brasileiros renovar sua sintonia com o Santo Padre e o episcopado do Continente e ampliar a consciência da conjuntura em que vivemos.
Com os trabalhos da nossa Assembléia, o documento de estudo alcançou clareza e consistência, que o tornam uma boa base de diálogo com todas as pessoas, comunidades e instituições interessadas no tema. De fato, já recebemos diversas solicitações, sobretudo de Conselhos de Leigos – nacional, regionais e diocesanos – para que acolhamos sugestões e ponderações daqueles cristãos e cristãs que estão ardorosamente empenhados na evangelização, segundo diversas vocações e nos mais diversos campos.
Por isso, estamos enviando agora este documento, para que em todos os lugares e níveis onde for possível, seja estudado, verificando a pertinência das análises, a correta interpretação da fundamentação teológica, enriquecendo – a partir da experiência vivida – as diretrizes práticas.
Os frutos desse estudo, na forma de sugestões e emendas ao documento, poderão ser enviados diretamente ao Secretariado Geral da CNBB até 15 de outubro de 1998.
Mesmo após desta data, o documento permanecerá como um subsídio precioso para o estudo do tema e para preparar a recepção do futuro documento conclusivo, fruto do “mutirão” que estamos agora promovendo.
Suplicamos a Deus nosso Pai, por Cristo e no Espírito Santo, que não somente abençoe este momento de estudo e reflexão, mas também faça dele a oportunidade de um renovado empenho dos leigos e de todos nós na missão do serviço à vida e à esperança.
Encorajamos todos os cristãos, leigos e leigas, de nossas paróquias, comunidades, associações, movimentos e organizações pastorais, bem como àqueles que – aparentemente sozinhos, mas sempre sustentados pelo Espírito de Deus e a oração da Igreja – testemunham sua fé e sua solidariedade em situações de fronteira, no coração do mundo, lá onde só eles podem levar a presença viva do Cristo Ressuscitado, para que prossigam em sua admirável dedicação. Manifestamo-lhes nossa alegria e imensa gratidão.
Que todos, como Maria Santíssima e os discípulos na manhã da Ressurreição, possam estar “cheios de alegria” por verem e ouvirem o Senhor!
Dom Marcelo Pinto Carvalheira Responsável pelo Setor “Leigos” na Comissão Episcopal de Pastoral Dom Angélico Sândalo Bernardino Responsável pelo Setor “Vocações e Ministérios” na Comissão Episcopal de Pastoral
INTRODUÇÃO
1. Os homens e as mulheres de hoje se parecem com os caminhantes que iam, na tarde da Páscoa, para Emaús[1]. Decepcionados, conversavam entre si sobre seus desenganos, sobre as esperanças frustradas. É a mesma conversa do povo hoje: esperava por um progresso econômico, e vê a situação pessoal piorar; esperava por saúde, e vê voltarem antigas doenças – dadas como debeladas para sempre; esperava por paz e convivência fraterna, e é atingido pela violência que não escolhe suas vítimas e torna todos inseguros; esperava por uma administração pública eficiente e honesta, atenta às necessidades do povo, como lhe foi prometido, e desconfia de que na política prevaleçam os interesses de poucos, dos que querem aumentar ainda mais seu patrimônio, a preço da exclusão de muitos; esperava por cristãos mais fiéis ao Evangelho, mais empenhados no serviço aos irmãos, mais abertos ao diálogo, e encontra frieza e pouca fé... Desconfiam, às vezes, até de Deus, como o salmista: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”[2] Como pode Deus permitir a crucifixão de tantos irmãos?
2. Não faltam esperanças, ou ao menos expectativas, por exemplo, nos avanços da ciência e da tecnologia. Mas eles também parecem ser de proveito para poucos. E tornam ainda mais absurdo que continuem fenômenos como fome, doenças, miséria, desemprego, que uma melhor distribuição dos recursos poderia eliminar – no Brasil e no mundo.
3. O povo a caminho procura muitas vezes esquecer seus dramas na diversão, no entretenimento oferecido pela mídia eletrônica, no jogo, no álcool, nas drogas... Mas também, com maior empenho nos últimos anos, as pessoas procuram resposta e caminho na filosofia, nas religiões, em diversas formas de espiritualidade. Nós, cristãos, redescobrimos de maneira nova a Palavra de Deus e a presença viva de Cristo. Percebemos que as muitas ideologias alternativas ao cristianismo, que inspiraram projetos nobres, mas também conduziram às piores tragédias da história em nosso século, deixaram ainda mais claro que Cristo é, para a humanidade de hoje, o Caminho, a Verdade e a Vida[3].
4. Diferentemente de filosofias e outras religiões, o cristianismo não propõe uma verdade abstrata, uma mera doutrina, mas acredita na presença de Alguém que caminha conosco, mesmo que às vezes nossos olhos não o reconheçam. Nossos olhos se abrem, quando o reconhecemos no “menor dos irmãos” que nos pede pão, água, roupa, casa, assistência médica, justiça ou, simplesmente, uma atenção, uma visita. É quando os caminhantes de Emaús convidam o desconhecido a sentar-se à mesa com eles, a partilhar a ceia, que seus olhos se abrem. O mesmo acontece hoje, quando esta ceia é celebrada como Eucaristia, agradecendo ao Pai pela entrega do próprio Cristo Jesus, que se oferece por nós e nos alimenta, na jornada, com o dom do Pão e do Vinho.
5. Quando a humanidade descobre e pratica a solidariedade e a partilha, já está movida pelo Espírito de Jesus. Já reencontrou a esperança. Já está acolhendo o “reino de Deus” e começando a superar as decepções e suas causas.
6. No meio da humanidade, solidários com ela, estão os discípulos e as discípulas de Cristo. São aqueles que, tendo reconhecido o Cristo caminhando ao seu lado, correm para anunciar aos irmãos e irmãs que o Cristo ressuscitado está vivo no meio de nós.
7. Os cristãos, portanto, são no mundo portadores da esperança: de que a morte do Justo não é a última palavra da história, pois o amor do Pai o ressuscitou; de que Deus há de ressuscitar “nossos pobres corpos mortais”; de que o nosso futuro está no reino de Deus, na afirmação do seu governo na história do mundo, enfim purificada de todo o mal. Esperança que o livro da Revelação descreve com as imagens da cidade maravilhosa, que não precisa de sol ou lua, porque “é a glória de Deus que a ilumina”[4], e da renovação total, dos “novos céus e nova terra”:
“Deus habitará com eles;
eles serão o seu povo,
e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus.
Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos,
pois nunca mais haverá morte,
nem luto, nem clamor, e nem dor...
Sim! As coisas antigas se foram!”[5].
8. A esperança, porém, não aliena os cristãos dos outros homens e mulheres. Ao contrário, torna-os ainda mais solidários. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração”[6]. “A esperança de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra. O progresso terreno... é de grande interesse para o Reino de Deus”[7].
9. Por isso, o cristão “levanta a cabeça” e olha para a libertação que se aproxima[8], mas não deixa de “pôr as mãos no arado” ou na foice, não pára de trabalhar para alimentar a família humana, nem deixa de ser o “administrador fiel” dos bens que Deus lhe confiou, a serviço de irmãos e irmãs. O cristão eleva seu coração a Deus na oração, de onde haure luz para discernir os caminhos da justiça e da paz no mundo humano.
I. DESAFIOS E SINAIS DOS TEMPOS
10. O cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que apontam para o Reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da justiça e da paz.
11. Neste momento histórico, estamos diante de uma realidade particularmente complexa e, ao mesmo tempo, contraditória e fragmentada. Torna-se, portanto, difícil compreender os rumos da história atual ou fazer julgamentos corretos. Nasce, em muitos, a sensação de incerteza, muitas vezes de desorientação, da qual procuram fugir, “simplificando” a realidade, considerando apenas alguns aspectos dela, criando esquemas ou imagens simplistas do que está acontecendo. Mesmo assim, é necessário esforço para situar nosso contexto, dentro de um quadro mais amplo, visto que a “globalização” aumenta sempre mais as influências externas sobre a realidade em que vivemos.
12. Cientes dessas dificuldades, queremos aqui apenas destacar rapidamente alguns traços da situação atual, que são relevantes para a consciência cristã e a missão do evangelizador. Constituem verdadeiros desafios para hoje e para o futuro próximo. Cabe a cada cristão – dentro de sua comunidade, organização ou movimento – fazer um discernimento mais profundo e concreto desses desafios, percebendo as luzes e as sombras, os sinais da graça e as seqüelas do pecado. Todos temos a obrigação de nos esforçar, iluminados pela fé, para compreender a realidade e buscar caminhos.
1. DESAFIOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS
13. A economia exerce grande influência sobre a nossa sociedade. As mudanças no mercado são mais rápidas do que no passado, conseqüência dos avanços da tecnologia e de maior interdependência das economias nacionais (fenômeno da “globalização”). Ao lado de alguns aspectos positivos - intercâmbio de informações, produtos, serviços e relacionamentos em escala global - a globalização tem acarretado graves preocupações, porque orientada, de fato, pela ideologia do mercado, que tem diminuído a autonomia dos Estados nacionais e concentrado ulteriormente a renda. Este fenômeno cria novas e imprevistas situações de pobreza, aumenta o desemprego, força a migração em busca de trabalho mal remunerado, enfraquece a política social, causa a exclusão de multidões. Isso acontece sobretudo onde tem sido adotada sem restrições a política econômica “neoliberal”. Na opinião de muitos, essa política poderá favorecer apenas uma pequena parte da humanidade, excluindo, de fato, a maioria da população dos benefícios conseguidos.
14. Na encíclica para “O Centenário da Rerum novarum” (1991), o papa João Paulo II reconhecia que “o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades”. Mas acrescentava: “Contudo, existem numerosas carências humanas sem acesso ao mercado. É estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e pereçam os homens por elas oprimidos...Abre-se aqui um grande e fecundo campo de empenho e de luta, em nome da justiça... É correto falar de luta contra um sistema econômico, visto como instrumento que assegura a prevalência absoluta do capital, da posse dos meios de produção e da terra”[9].
15. Nesse contexto, tem crescido a dívida externa dos Países em desenvolvimento e a dívida social para com a maioria dos seus próprios cidadãos, cujo trabalho é mal remunerado e aos quais são negadas as condições básicas de alimentação, moradia, educação e saúde. Dessa forma se enfraquece ou se esvazia a própria democracia. Os grandes interesses financeiros condicionam unilateralmente o Estado e lhe impedem o cuidado do bem comum de todos os cidadãos.
16. O Brasil depende hoje fortemente do sistema financeiro internacional. Seus problemas são agravados pela desigualdade social muito acentuada, entre as maiores do mundo, que comporta imensa massa de deserdados e sofredores, além do mais, provados pela crescente onda de desemprego[10] e a lentidão da Reforma Agrária[11].
17. Nisso tudo se manifesta a tendência mais geral da sociedade moderna, que subtrai a política e a economia a considerações éticas, tais como o respeito dos direitos básicos de toda pessoa humana, a primazia do trabalho, a solidariedade. Como cristãos, devemos avaliar em profundidade as conseqüências dessa inversão de valores, principalmente no que diz respeito ao grave problema da deformação das consciências. Nossa sociedade vai se habituando a conviver com contravalores e perdendo a capacidade de distinguir o justo do injusto, o verdadeiro do falso. Aquilo que é desprovido de todo e qualquer caráter ético, começa a se impor como legítimo. A conseqüência é o crescimento descontrolado da corrupção, do abuso do poder, da exploração institucionalizada, favorecidos pela impunidade.
18. A camada social que certamente sai mais prejudicada por tal deformação das consciências é a juventude. A nova geração vive o momento presente numa visão imediatista, pois a sociedade a priva de passado e de futuro. Dá-se um rompimento com a juventude de ontem, que se empolgava na luta por uma sociedade justa e fraterna. Por outro lado, o futuro torna-se muito incerto. Desestimula projetos, cria insegurança, induz à acomodação. A sociedade exalta a juventude e oferece-lhe muitas ilusões de consumo e de realização pessoal. Parece apresentar muitas oportunidades, mas efetivamente oferece aos jovens poucos empregos e remuneração injusta. Mesmo assim, há jovens que apostam na qualificação profissional, outros que ainda buscam a solidariedade e os valores espirituais ou reagem indignados à falta de honestidade na vida pública. Mas há também muitos que se refugiam numa vida sem maiores perspectivas ou caem no ceticismo ou no cinismo, nada dispostos a sacrificar algo do presente para construir um futuro melhor. Outros ainda se deixam seduzir pelas drogas e pela violência, vítimas da organização criminal do narcotráfico.
19. Por outro lado, face aos efeitos perversos da globalização, surgem sinais nítidos e claros de reação da parte de indivíduos, grupos e povos. Aumentam as dúvidas sobre a própria viabilidade, a médio e longo prazo, do atual modelo capitalista e temem-se suas desastrosas conseqüências para o meio-ambiente. Em vários países, adotam-se medidas econômicas e sociais alternativas ao neo-liberalismo. Multiplicam-se também as iniciativas em defesa da própria tradição cultural, étnica ou nacional em face do nivelamento provocado pela globalização. Em nosso País, os que não têm terra, casa, emprego e alimento organizam-se para lutar pela sobrevivência e contestar as leis que favorecem, ainda mais, os abastados. Mulheres, índios, negros e grupos marginalizados reivindicam seus direitos ao pleno exercício da cidadania e à expressão das diferenças.
20. Diante deste modelo social, que incentiva o egoísmo e reduz a pessoa a mero consumidor, impõe-se o revigoramento da solidariedade entre todos os cidadãos. Ela deve sustentar iniciativas voluntárias de ajuda aos mais carentes e exigir decisões políticas e medidas legislativas em prol de uma autêntica justiça social, garantindo a igualdade de oportunidades. A Igreja não pode deixar de exercer uma crítica rigorosa à ideologia que despreza os valores éticos fundamentais e de apoiar com todos os meios ao seu alcance a construção de uma sociedade solidária. Ao mesmo tempo precisa fazer um exame de consciência, “interrogando-se sobre as responsabilidades que lhe cabem nos males do nosso tempo”[12], particularmente em formas graves de injustiça e marginalização social.
2. DESAFIOS CULTURAIS E RELIGIOSOS
21. O predomínio da economia na sociedade atual está vinculado a opções éticas e culturais. É impossível compreender o comportamento de pessoas e grupos, sem levar em conta as motivações culturais que o impulsionam. Análises das estruturas econômicas e políticas são insuficientes para compreender as tendências da sociedade atual, particularmente complexa.
22. As mudanças recentes dependem também da cultura. Em lugar da cultura tradicional, difundiu-se a cultura da modernidade, caracterizada pela crítica do passado e a oferta de diferentes modelos de vida. Em outras palavras, no Brasil como nas sociedades modernas, predomina hoje o pluralismo cultural, que, a partir dos centros urbanos, se alastra por todo o território nacional. O pluralismo é, em si, um fator positivo, quando proporciona diálogo e respeito mútuo entre as diversas culturas. Mas, de fato, ele é limitado e ameaçado pela poderosa influência dos meios de comunicação de massa, transmissores da “cultura global”, regida pelas leis do mercado, desprovida de preocupações éticas, manipuladora das consciências. A essa “cultura de massa” resistem, com dificuldades, seja a cultura popular, com sólidas raízes no mundo rural, seja a cultura erudita e científica..
23. No bojo da cultura moderna, favorecida pelo pluralismo, acontece a mudança da atitude do indivíduo perante a questão da sua identidade. Simplificando, pode-se dizer que a questão da identidade tornou-se uma questão privada, pessoal. Na sociedade tradicional, a cultura determinava em grande parte a identidade de cada indivíduo e lhe atribuía um papel determinado na sociedade. Na sociedade “moderna”, o indivíduo tende a considerar a cultura como o supermercado, onde pode escolher e adquirir elementos para construir a sua visão do mundo e suas múltiplas relações. Tudo isso contribui para enfraquecer os laços comunitários, que pressupõem uma tradição ou cultura comum, para substituí-los por relações criadas a partir das escolhas pessoais. Esse fato não é, em si, negativo e o cristianismo contribuiu para acelerar o processo de valorização da pessoa. Mas, atualmente, em muitos casos, especialmente no mundo urbano, as antigas relações comunitárias não foram substituídas por novas relações sociais adequadas, capazes de garantir a liberdade e segurança das pessoas.
24. Uma concepção relativista da verdade e extremamente individualista da liberdade leva à aceitação de práticas – como aborto, eutanásia, uso das drogas – que desprezam o valor da vida humana. Na encíclica “O Evangelho da Vida”, João Paulo II fala de “um combate gigantesco e dramático entre o mal e o bem, a morte e a vida, a “cultura da morte” e a “cultura da vida”. Encontramo-nos não só “diante”, mas necessariamente “no meio” de tal conflito: todos estamos implicados e tomamos parte nele, com a responsabilidade iniludível de decidir incondicionalmente a favor da vida“[13].
25. A mudança na formação da identidade individual, decisiva na configuração da modernidade, gera conseqüências explosivas em todos os campos, inclusive no campo religioso. É importante observar que essa situação tem provocado um novo interesse pela religião, que foi chamado - de forma pouco apropriada - a “revanche de Deus”. Outros falam de “retorno do religioso” ou de “sedução do sagrado”. Na realidade, não se trata de um retorno, porque muitos são os aspectos novos, que não figuravam na religião tradicional. Em linhas gerais, as novas atitudes religiosas - mais que se voltar para a revelação de Deus - buscam a solução de problemas pessoais. As estruturas paroquiais da Igreja Católica, especialmente no meio urbano, ainda não conseguiram adaptar-se adequadamente às novas exigências. A religião é muito procurada, porque consola, cura e ajuda a dar um sentido à própria existência. De que forma?
26. Uma primeira tendência - evidente no Brasil dos anos recentes - é a de reconsiderar a própria escolha. Conseqüentemente temos assistido à passagem de muitas pessoas de uma religião (ou igreja) a outra. Havendo um grande número de católicos, muitos deles sem adesão pessoal e viva a Jesus Cristo e ligados apenas por laços fracos à comunidade eclesial, é natural que vários tenham mudado de religião. Outros católicos não conseguem fazer uma experiência religiosa emocionalmente envolvente em sua comunidade de origem e saem em busca de outras experiências. Não se trata, geralmente, de uma “conversão” no sentido forte da palavra, que implique decidida mudança ou ruptura. Predomina a concepção de que as várias igrejas ou religiões são igualmente boas. “Experimenta-se” outra religião, às vezes por breve período, em busca daquela que satisfaça o gosto de cada um. Esses fenômenos se tornam mais freqüentes no Brasil, quer porque aqui elementos das religiões indígenas e africanas se misturaram com elementos da religião católica, quer pela rápida urbanização, que pôs em contato populações de origem rural com um ambiente “pós-moderno”, dinâmico, sem referências claras, que é a cidade. Há também casos de múltipla pertença, nos quais a pessoa justapõe práticas de diversas religiões, e casos de adesão a uma religiosidade de contornos indefinidos, sincretista, como a da “Nova Era”.
27. A religião, como questão de escolha, é fato julgado positivamente pela nossa sociedade. Também o cristianismo assume esta possibilidade como uma condição de liberdade, melhor do que aquela em que os regimes absolutistas impunham a religião oficial. Essa nova situação, porém, exige que cada pessoa faça sua opção. E as possibilidades são diversas. Alguns optam por uma religião individual, interior, tão pessoal que abandona as práticas comunitárias e se torna uma “religião invisível”, feita apenas de algumas crenças. Em casos extremos, chega-se a dizer “minha religião sou eu” ou a conceber a Deus como a realidade que cada um encontra no mais íntimo de si mesmo. Em geral, como já vimos, a religião é concebida como busca de felicidade imediata, próxima do hedonismo, e não mais como docilidade à vontade do Senhor e Criador.
28. Outros, ao contrário, recusam o individualismo e subjetivismo. Preferem, talvez com certa nostalgia, tentar reencontrar a situação tradicional, em que havia uma só religião e todos acreditavam nela. Aderem, por isso, a igrejas ou movimentos “fundamentalistas”, que pretendem apresentar a verdade em seus fundamentos ou origens. Geralmente trata-se de grupos fechados e autoritários, que não admitem discussões sobre sua doutrina e disciplina interna, mas, em troca, oferecem certeza, segurança e apoio a seus membros.
29. Outros ainda se voltam para formas espontâneas de busca e manifestação do sagrado ou para o esoterismo, o ocultismo, a magia, a crença na reencarnação. Rejeitam não somente as formas institucionalizadas das grandes religiões, como também a racionalidade científica. Tal fenômeno não acontece apenas nas populações com pouca ou nenhuma instrução escolar, mas até mesmo entre cientistas e professores universitários.
30. Finalmente, a maioria continua ainda aderindo à religião tradicional (no Brasil, ao catolicismo). Esta adesão, porém, diminui, em parte, por restrições subjetivas (“aceito isso, mas não aceito aquilo”): é o caso das chamadas “adesões parciais”. Ou esta adesão pode assumir traços do fundamentalismo: sou católico, mas segundo uma interpretação literal da Bíblia e da doutrina.
31. Para o católico, a melhor resposta a esta situação não é simplesmente conservar a religião tradicional, mas renovar sua adesão ao catolicismo, tornando-a mais consciente e responsável, enraizada na profunda experiência de Deus, iluminada por sua Palavra e partilhada na vivência comunitária e sacramental, atenta ao magistério da Igreja. Isto, de fato, já acontece em grande escala em paróquias, comunidades de base e movimentos. Mas é necessário tomar consciência de que - na sociedade atual e sempre mais no futuro - a fé católica será profundamente personalizada, assumida, enraizada na experiência de Deus, ou não... será.
3. FORÇA E FRAQUEZAS DOS CRISTÃOS
32. Nos últimos dez anos, após a publicação da Exortação do Papa sobre “Vocação e missão dos leigos”[14], que concluiu o Sínodo dos Bispos de 1987, alguns fatos têm marcado a situação dos cristãos entre nós, e especificamente dos católicos. Antes de tudo, constatamos uma intensa busca de espiritualidade, mesmo se algumas de suas expressões pareçam mais reação de desencanto com a sociedade e procura de consolo do que experiências religiosas profundas. Essa busca manifesta-se tanto no mundo católico como fora dele. Ela é caracterizada, como já notamos, por um evidente pluralismo e, freqüentemente, pelo subjetivismo típico da cultura moderna. O resultado é que o próprio mundo católico se tem diferenciado ainda mais. Multiplicaram-se os novos movimentos e retomaram vigor as antigas associações e as tradições religiosas populares. Surgiram muitas iniciativas pastorais inéditas, solicitadas pela diferenciação da sociedade brasileira e o aparecimento de múltiplas carências e aspirações. Também aumentou significativamente a busca de formação teológica, inclusive de nível superior, por parte de leigos e leigas.
33. Cresce igualmente um clima favorável ao ecumenismo e ao diálogo entre as religiões, embora com grandes resistências de grupos radicais, por um lado, e tendências de nivelar e confundir toda e qualquer experiência religiosa, por outro lado. Os não católicos representam hoje, no meio urbano, ao menos 20% da população, o que significa também que muito mais freqüentemente nossos fiéis se encontram e dialogam com pessoas de outros credos, sendo às vezes questionados em sua própria fé. O diálogo ecumênico e inter-religioso deixa de ser um assunto de poucos, para tornar-se uma experiência cotidiana e permanente de muitos.
34. A presença dos católicos militantes na sociedade passou também por transformações significativas, sobretudo depois de 1985, com a redemocratização do País, e da Constituição Federal de 1988. Muitos deixaram comunidades eclesiais e organizações pastorais para ingressar na luta política através dos partidos. Por outro lado, os que permaneceram nas CEBs, nas pastorais sociais e nos movimentos populares assumiram uma atitude mais crítica em face da prática política, freqüentemente distorcida pelo clientelismo e a corrupção, procurando novamente desenvolver uma atuação mais autônoma e crítica da sociedade civil e mesmo promovendo muitas iniciativas alternativas de organização do povo, em favor de seus direitos e mesmo de sua saúde, educação e sobrevivência. Outros participam ativamente da construção da cidadania, atuando nos Conselhos Municipais, tutelando crianças e adolescentes e promovendo os direitos humanos. Numa sociedade em que as estruturas econômicas e políticas são sempre mais secularizadas e sem referência ética, os cristãos empenhados nela estão necessitando e muitas vezes exigindo apoio espiritual e solidariedade mais efetiva por parte da comunidade eclesial.
35. Fenômeno importante é o crescimento dos movimentos eclesiais, quer originários de outros países, quer nascidos entre nós. Eles levaram muitas pessoas à experiência de Deus, ao encontro pessoal com Cristo, à opção de fé e à volta à Igreja. Conseguem ter uma grande força convocatória e aglutinadora. E muitas pessoas, a partir dessa experiência de conversão, reencontram o amor à Igreja e o engajamento nas pastorais. O entusiasmo e a descoberta faz com que muitos vejam a Igreja sob o prisma do movimento e tenham dificuldade de integrar-se nas comunidades eclesiais. Surgem tensões e até conflitos. O Papa e os Bispos desejam que os movimentos possam, no diálogo e na caridade, enriquecer as comunidades e não prejudicá-las.[15]
36. As paróquias, especialmente no meio urbano, viram nos últimos anos multiplicar-se suas atividades, para atender ao crescente número de fiéis e, sobretudo, à demanda mais exigente tanto de orientação espiritual como de serviços de obras sociais. Daí resulta a sobrecarga dos párocos, especialmente quando não há por parte deles a disposição de delegar responsabilidades e descentralizar serviços. A multiplicidade de expressões comunitárias e de grupos, associações, movimentos e pastorais expressa a vitalidade de muitas paróquias, mas também provoca certa fragmentação da pastoral e falta de harmonia. A tendência de descentralizar a paróquia, para torná-la uma “rede de comunidades”, está presente em várias dioceses. Em geral, continuam muito numerosas e ativas as CEBs, que estão procurando com mais empenho compreender e valorizar a religiosidade popular e abrir-se mais intensamente à dimensão missionária.
37. Na ausência de estatísticas mais completas, é difícil dizer se o número dos agentes de pastoral aumentou na última década. Pode-se, porém, estimar em 70.000 (setenta mil) o número das comunidades que realizam aos domingos a celebração da Palavra, na ausência do padre, que aí celebra a Eucaristia somente algumas vezes por ano. O número dos e das catequistas se situa entre 300.000 e 350.000. Um contingente ainda maior de leigos e leigas assumem outros ministérios, como a animação da comunidade e da liturgia, a pastoral do batismo e do casamento, as pastorais sociais. Em média, atualmente, para cada presbítero, as comunidades dispõem de mais de 50 (cinqüenta) leigos, exercendo tarefas ou ministérios pastorais[16].
38. Entre eles, destaca-se a presença e atuação das mulheres, sendo o contingente maior. Elas participam em todos os setores da vida e da missão da Igreja e estão esboçando um traço novo no rosto eclesial através da maneira generosa e entusiasmada com que vivem a fé e o amor, buscando transmitir os valores cristãos. Elas constituem a grande maioria dos catequistas; assumem responsabilidades nas comunidades, na animação, coordenação e entre-ajuda; coordenam setores pastorais; estão presentes nos conselhos e nos movimentos, inclusive participando das decisões [17]. Nos últimos anos começaram a exercer o aconselhamento espiritual, bem como o ensino da teologia..
39. Quanto ao número de presbíteros, os últimos tempos foram marcados pelo aumento do clero diocesano (cerca de 4.500 ordenações nos últimos quinze anos), o que permitiu alcançar o número de 16.000 padres: um para cada 10.000 habitantes. Esta relação se mantém estável nos anos ‘90. Mas ela é consideravelmente mais grave que a relação padre/habitantes de 1960 (1 padre para 6.284 habitantes). O número dos presbíteros não acompanhou o aumento da população nas décadas de ’60, ’70 e ’80, também em decorrência da diminuição do número de missionários, que em 1960 representavam 42% do clero e hoje, apenas 22%[18]. Assim, em geral, o presbítero se acha, por um lado, solicitado a assumir novas tarefas; por outro, é mais sobrecarregado em sua rotina e tem menos tempo para dedicar às pessoas. É urgente repensar as prioridades do ministério presbiteral, tendo em vista a corresponsabilidade de todos os cristãos na ação evangelizadora e uma melhor adequação do padre às exigências da comunidade eclesial e da sociedade.
40. Finalmente, alegramo-nos porque o Projeto de Evangelização “Rumo ao Novo Milênio”, com que procuramos responder ao apelo da Carta apostólica de João Paulo II sobre “O Advento do Terceiro Milênio” e preparar o Grande Jubileu do Ano 2000 e a celebração dos 500 anos da Evangelização do Brasil, tem encontrado adesão pronta e generosa especialmente no laicato, revelando novas possibilidades de ação pastoral e grande criatividade na evangelização.
41. Todas essas situações, ricas de promessas e potencialidades, mas também necessitadas de um discernimento melhor e de novas orientações, solicitam-nos a recordar alguns fundamentos teológicos, especialmente a partir do Concílio Vaticano II[19], e a traçar algumas diretrizes práticas. É o que desejamos oferecer às comunidades eclesiais e aos cristãos e cristãs, para que, em espírito de diálogo com os pastores, continuemos juntos a procurar respostas corajosas, livres e criativas aos apelos de Deus e dos irmãos.
II – A MISSÃO DO POVO DE DEUS
Fundamentos teológicos
1. A MISSÃO
42. A Igreja é chamada por Deus a realizar uma missão no mundo. Tal missão, prosseguimento da prática de Jesus Cristo, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos”[20], é o serviço que ela deve prestar. A compreensão da missão da Igreja vai se aprofundando na medida em que a Igreja presta atenção aos “sinais dos tempos” e às mudanças na história humana. Podemos medir os passos dados pela Igreja na compreensão de si mesma e da sua missão, se considerarmos os avanços do Magistério e da reflexão eclesial desde o Concílio Vaticano II até hoje.
A MISSÃO, OBRA DE DEUS
43. O Concílio Vaticano II proferiu diversas afirmações importantes sobre a missão da Igreja. A constituição Lumen Gentium declara: “a Igreja é em Cristo como que sacramento, isto é, sinal e instrumento, da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano” [21]. A constituição Gaudium et Spes acrescenta que “a Igreja é ‘o sacramento universal da salvação’, manifestando e atuando simultaneamente o mistério do amor de Deus pelos homens”; ou seja, não é apenas sinal, mas é já, de algum modo, realização do Reino de Deus[22].
44. Para explicar a identidade da Igreja, a Lumen Gentium, no capítulo I, mostra a Igreja como fruto da missão do Filho e do Espírito Santo, enviados pelo Pai [23]Está aí um elemento fundamental da teologia da missão! A missão não é, antes de tudo, obra da Igreja, mas ação de Deus. O Pai é fonte da missão e atua no mundo através de suas duas “mãos”, o Filho e o Espírito Santo. Neste tempo, que intercorre entre a primeira vinda de Cristo e seu retorno glorioso, protagonista da missão é o Espírito Santo[24].
A MISSÃO, SERVIÇO DO REINO
45. Em relação à missão, outra afirmação importante do Concílio Vaticano II é que “toda a Igreja é missionária e a obra da evangelização é um dever fundamental do povo de Deus”[25]. Mas o próprio Concílio, sob a influência da teologia que o precedeu, acentuou a concepção da missão como “implantação da Igreja”[26]. Ora, exatamente naqueles anos, a realidade das “missões”, especialmente nos Países do chamado “Terceiro Mundo”, e a reflexão teológica passavam por mudanças rápidas e profundas. Após o Concílio, a teologia cristã insistiu de forma enfática sobre a necessidade de assumir a missão não só como “implantação da Igreja”, mas como “serviço ao mundo”, ou, mais propriamente, ao Reino de Deus e à “Paz” (shalom) que este traz à humanidade. Tal concepção encontrou ampla receptividade também na América Latina, onde foi destacado o empenho dos cristãos na luta pela justiça e pela libertação humana, o que aliás tinha sido reconhecido pelos Sínodos de 1971 e 1974[27].
MISSÃO E DIÁLOGO
46. Outro aspecto que, a partir do Sínodo de 1974, teve ampla repercussão na reflexão sobre a missão foi o diálogo inter-religioso[28]. O Concílio Vaticano II e o Papa Paulo VI[29] já haviam insistido sobre a necessidade do diálogo com a sociedade contemporânea e com as outras igrejas cristãs[30]. Em particular, no contexto do tema da liberdade religiosa, o Concílio afirma: “A verdade deve ser buscada pelo modo que convém à dignidade da pessoa humana e da sua natureza social, isto é, por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistério ou do ensino, da comunicação e do diálogo, com os quais os homens dão a conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou julgam ter encontrado, a fim de se ajudarem mutuamente”[31]. “O diálogo não nasce de táticos interesses, mas é uma atividade que apresenta motivações, exigências, dignidade própria: é exigido pelo profundo respeito por tudo o que o Espírito, que sopra onde quer, operou em cada homem. Por ele, a Igreja pretende descobrir as sementes do Verbo”, os “fulgores daquela realidade que ilumina todos os homens” – sementes e fulgores que se abrigam nas pessoas e nas tradições religiosas da humanidade”[32]
MISSÃO É EVANGELIZAÇÃO
47. O progresso da reflexão no Magistério e na consciência da Igreja levou a destacar o tema da evangelização, como o que melhor exprimia a própria missão da Igreja, mas ao mesmo tempo a sublinhar como ela é uma “realidade rica, complexa e dinâmica”[33], que não pode ser definida apenas a partir de um ou outro de seus aspectos, sem correr o risco de a empobrecer e até mesmo a mutilar. A Evangelii Nuntiandi procura exatamente expor os aspectos essenciais da evangelização, que julga em continuidade com o Vaticano II.
48. Após a Evangelii Nuntiandi a reflexão prosseguiu nas Conferências Episcopais Latino-Americanas de Puebla (1979) e Santo Domingo (1992), na Encíclica sobre “A Validade Permanente do Mandato Missionário” (1990) e em outros eventos e documentos. Não deve surpreender que esta reflexão possa e deva prosseguir, descobrindo novos aspectos da missão da Igreja. Pois esta não consiste apenas em anunciar uma mensagem do passado, mas em reconhecer os “sinais dos tempos” e em “interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim (a Igreja) possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu caráter tantas vezes dramático”[34]. O que o Vaticano II procurou fazer em seu tempo, a Igreja deve realizá-lo permanentemente, atenta à “agenda” de problemas e anseios da humanidade.
A NOVA EVANGELIZAÇÃO
49. Alguns problemas suscitados pela teologia da missão após o Concílio são examinados criticamente pelo Papa João Paulo II na encíclica sobre “A Validade permanente do Mandato missionário”[35]. Desta Encíclica, é particularmente importante para nós destacar o que ela diz sobre a “nova evangelização”[36]. Já Paulo VI considerava necessário retomar a evangelização para superar a ruptura entre o evangelho e a cultura, a fé e a vida[37]. O Papa a julga necessária nos Países “onde grupos inteiros de batizados perderam o sentido vivo da fé, não se reconhecendo já como membros da Igreja e conduzindo uma vida distante de Cristo e de seu Evangelho”. Em nosso País, como em geral na América Latina, embora haja situações muito diversificadas, não há dúvidas de que uma “nova evangelização” é imprescindível. Ela será inspirada pela consciência das exigências da evangelização que a Igreja e seu Magistério adquiriram nas últimas décadas, mas também deverá continuamente prestar atenção às mudanças que vão acontecendo e aos novos desafios que surgem.
A EVANGELIZAÇÃO NAS DIRETRIZES DA IGREJA NO BRASIL
50. Como referência, no Brasil, temos a visão da evangelização amplamente desenvolvida nas “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora”, fruto da Assembléia da CNBB de 1995. Salienta quatro aspectos fundamentais para a evangelização inculturada: serviço, diálogo, anúncio e testemunho de comunhão, que correspondem a quatro termos-chave do Novo Testamento: diakonia, diálogos, kerygma, koinonia.
51. A Igreja é chamada a anunciar a salvação em Cristo e o Reino de Deus, mas não pode fazê-lo sem deixar de mostrar sua solidariedade e sua disposição de serviço para com toda a humanidade, sua atitude de diálogo na busca da verdade, e sua capacidade de gerar comunidades onde já se vive de algum modo aquela comunhão com Deus e com os irmãos, que é realização germinal do Reino de Deus.
52. Urge compreender e frisar como esses diversos aspectos se interligam um ao outro e são expressões necessárias da única missão. Não seria autêntica uma evangelização que se limitasse a promover a libertação humana, sem anunciar o Reino de Deus e a salvação em Cristo. E, vice-versa, não seria autêntico um anúncio do Reino que não mostrasse de algum modo os sinais da libertação do ser humano face aos males que o oprimem (cf. Mt 11,5; Lc 4,18-19).
ANÚNCIO DO EVANGELHO E SINAIS DE SOLIDARIEDADE
53. A Igreja deve, como Jesus, anunciar o Reino de Deus e chamar para a conversão[38], mas deve também, como Jesus, realizar aquelas obras ou “sinais”, que revelam o amor de Deus pela humanidade através do poder do Espírito[39]. Uma outra formulação, muito densa e bela, da missão da Igreja foi-nos oferecida pelo Papa João Paulo II na Encíclica sobre “O Valor e a Inviolabilidade da Vida Humana”. Dizendo “O Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da vida são um único e indivisível Evangelho”[40], o Papa une o anúncio de Cristo (o amor de Deus pelo homem) com o empenho da Igreja pela vida humana em todas as suas dimensões. Cristo, nossa esperança, é a vida em plenitude: este é o coração da mensagem evangélica e o conteúdo fundamental da missão da Igreja, do serviço que ela presta à humanidade.
54. As mesmas preocupações estavam evidentes no tema, escolhido pelo Papa, e nos documentos preparatórios do recente Sínodo dos Bispos para a América (Roma, 16.11 – 12.12.1997). O Sínodo convoca os povos da América para o encontro com Jesus Cristo vivo. Por outro, o Sínodo demonstra a solidariedade dos cristãos com todos os cidadãos, particularmente com os mais sofridos. Condição para realizar esta missão da Igreja, é a comunhão eclesial, testemunho de unidade dos cristãos entre si e com o próprio Cristo.
55. Especialmente face ao “mundo” e aos que estão distantes de Cristo e do seu Evangelho, a solidariedade da Igreja com todos os seres humanos, sem discriminação, e os serviços que ela presta são os “sinais” hoje indispensáveis. A Igreja não confia essas tarefas unicamente aos cristãos leigos. A presença animadora e esclarecedora dos presbíteros é importante, às vezes decisiva, para muitos que têm dificuldade de ver a dimensão da fé e da caridade no social, no político e na luta pela justiça. A própria Santa Sé, através dos Conselhos “Justitia et Pax” (Justiça e Paz) e “Cor Unum” (Um só coração), busca promover o diálogo entre povos em conflito, a reconciliação entre nações e etnias divididas por antigos rancores, promover o desenvolvimento social, defender os direitos dos mais fracos, socorrer as populações em perigo[41]. O Santo Padre pessoalmente, com suas homilias e suas viagens, tem procurado levar, junto com a palavra do Evangelho, um forte apelo à justiça e à paz.
A COMPETÊNCIA DOS LEIGOS
56. Não há dúvida de que a tarefa de promover a justiça e a paz, de efetivamente prestar solidariedade e serviço aos irmãos, especialmente aos mais necessitados, é uma responsabilidade dos cristãos empenhados na economia, na política, nas relações internacionais, no sindicato, nas organizações assistenciais, nos movimentos populares, nas pastorais sociais. O Concílio tinha consciência disto. Na constituição Lumen Gentium afirma que na tarefa de impregnar do espírito de Cristo o mundo e fazer que “atinja mais eficazmente o seu fim na justiça, na caridade e na paz, [...] compete aos leigos a principal responsabilidade”. E reconhece que “os leigos são chamados de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e circunstâncias, onde ela só por meio deles pode vir a ser sal da terra”[42].
57. Em nosso País, muitas vezes de forma humilde e escondida, outras vezes através de uma atuação pública e destemida, muitos leigos e leigas cristãos lutaram e lutam pela justiça e a paz, dando corajoso testemunho evangélico e contribuindo para o serviço do mundo, cuja responsabilidade última cabe a todo o povo de Deus.
2. O POVO DE DEUS
IGREJA DA TRINDADE SANTA
58. A Igreja tem consciência de ser uma presença diferente no mundo. Ela sabe que está no mundo, mas não é do mundo[43]. Sua raiz última é o mistério insondável do Pai, que, por Cristo e no Espírito, quer que todos os homens e mulheres participem de sua vida de infinita e eterna comunhão, na liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas, irmãos e irmãs[44]. Por isso, o Concílio nos ensina que a Igreja não é simplesmente uma sociedade ao lado de outras, mas um mistério de comunhão. A Igreja toda aparece como “o povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”[45].
COMUNHÃO EM POVO DE DEUS
59. Nunca é demais, portanto, recordar e insistir que a Igreja é, em primeiro lugar, um mistério de comunhão, que reflete, com as limitações de seus membros e os limites do tempo e do espaço, o mistério da comunhão trinitária. A comunhão trinitária torna-se, então, fonte da vida e da missão da Igreja, modelo de suas relações e meta última de sua peregrinação.
60. O Vaticano II ensinou-nos também que a Igreja é o Povo de Deus. Esta expressão - com razão considerada por muitos a marca registrada da eclesiologia do Concílio - evoca diferentes aspectos da complexa realidade que é a Igreja.
POVO LIVRE E FRATERNO
61. Antes de tudo, a expressão Povo de Deus faz-nos remontar a um momento decisivo das buscas religiosas da humanidade, quando o anseio humano do Absoluto vê-se inesperadamente surpreendido e superado pelo advento gratuito da divina revelação: a revelação do nome de Javé a Moisés e a experiência do Êxodo, cujo resultado é, através da celebração da Aliança, a constituição de Israel em povo de Deus. À exigência de uma adesão incondicional e exclusiva a Javé - “não terás outro deus além de mim”[46] - corresponde o amor ao próximo[47]. A expressão concreta deste preceito central é a solidariedade com o pobre [48]. Com efeito, Javé, como não se cansarão de repetir os profetas, é o Deus dos pobres! Justamente por isso, o significado do Êxodo e da Aliança é ao mesmo tempo religioso (revela o rosto de Deus como sumamente próximo e soberanamente transcendente) e social (revela e tutela a dignidade de todo ser humano, sobretudo dos pobres, propondo o estatuto ideal de um povo livre e solidário). A posse da terra - dom de Deus aos seus filhos - devia ser o “sacramento” a garantir a liberdade, a dignidade e a segurança conquistadas através do Êxodo. O Êxodo tinha por meta a liberdade e a fraternidade perfeitas entre os israelitas, filhos e filhas do Deus da vida! A nova e perfeita Aliança, porém, só se dará em Cristo: “Foi Cristo quem instituiu a nova Aliança (...) no seu sangue (1 Cor 11,25), chamando um povo que junto crescesse para a unidade, não segundo a carne, mas no Espírito, e fosse o novo Povo de Deus (...) Este povo messiânico tem por cabeça Cristo (...). Tem por condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações habita o Espírito Santo como num templo. Sua lei é o mandamento novo de amar (...). Sua meta é o Reino de Deus (...)” [49].
POVO QUE ABRE CAMINHOS PARA O SERVIÇO
62. Em segundo lugar, a expressão Povo de Deus recorda que a Igreja é uma realidade histórica, fruto da livre iniciativa de Deus e da livre resposta dos seres humanos. Por isso, ela não pode furtar-se, em nenhuma circunstância, sobretudo nas grandes crises históricas - aquelas que marcam as viradas de civilização e de cultura, como a que estamos vivendo hoje - ao dever de fazer escolhas e de abrir caminhos.
63. Situada, na verdade, entre a primeira parusia do Senhor Jesus em nossa carne mortal e sua segunda parusia em sua glória imortal, a Igreja participa, de um lado, da transitoriedade deste mundo, cuja “figura passa”[50], e, de outro lado, da definitividade de Deus, que um dia será “tudo em todos”[51]. Os discípulos que outrora o acolheram na carne humilde e pobre de Jesus de Nazaré através da fé, precisam agora acolhê-lo através do amor na carne desprezada e descartada dos famintos, sedentos, migrantes, despojados, doentes e encarcerados [52], “esperando contra toda esperança”[53]. O peregrinar da Igreja entre a Ascensão e a Parusia percorre, na força do Espírito, os passos de Jesus, que foi ungido pelo Espírito para “evangelizar os pobres, proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”[54]. A Igreja não pode perder de vista o serviço à vida e à esperança, no amor e na liberdade, que é, neste mundo, seu horizonte maior!
O MAIS IMPORTANTE É O QUE NOS UNE: A CONDIÇÃO CRISTÃ
64. A expressão Povo de Deus indica ainda a Igreja “em sua totalidade”, ou seja, naquilo que é comum a todos os seus membros. Esta foi, sem dúvida, uma das maiores aquisições do Vaticano II e deve fazer valer todo o seu peso quando se trata de refletir sobre missão e ministérios. Ao colocar, na Lumen Gentium, antes dos capítulos sobre a hierarquia (cap. III) e o laicato (cap. IV), o capítulo sobre o Povo de Deus (cap. II) – onde se sublinha tudo o que é comum a todos os membros da Igreja - o Vaticano superou a concepção de Igreja como “sociedade desigual”, que condensava e consagrava aquela antievangélica distância entre hierarquia e laicato, tão perniciosa para o testemunho cristão no mundo.
65. A noção de Povo de Deus, com efeito, exprime a profunda unidade, a comum dignidade e fundamental habilitação de todos os membros da Igreja à participação na vida da Igreja e à corresponsabilidade na missão. Antes e além de toda e qualquer diferenciação carismática e ministerial, está a condição cristã, que é comum a todos os membros da Igreja. O texto que exprime com maior eficácia esta profunda unidade e comum dignidade de todos os membros do Povo de Deus está situado justamente no capítulo da Lumen Gentium dedicado aos leigos: “Um é pois o povo eleito de Deus: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo”[55]. Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo. Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição. Uma só a salvação, uma só a esperança e indivisa a caridade. Não há, pois, em Cristo e na Igreja, nenhuma desigualdade em vista de raça ou nação, condição social ou sexo, porquanto ‘não há judeu ou grego, não há servo ou livre, não há varão ou mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus’”[56].
SACERDÓCIO COMUM - UM SACERDÓCIO EXISTENCIAL
66. Faz parte desta condição comum - criada pela fé e pelo batismo, pela esperança e pela crisma, pela caridade e pela eucaristia - além do sentido da fé de todos os fiéis[57], o sacerdócio comum de todos os fiéis[58].
67. Há um único e indivisível sacerdócio: o de Jesus Cristo. Seu sacerdócio não é um sacerdócio ritual, nos moldes do Antigo Testamento. Jesus não pertencia à tribo de Judá; sua atividade se assemelhava mais à dos antigos profetas que à dos sacerdotes judeus; as esperanças messiânicas suscitadas por Sua pessoa e atividade são interpretadas mais na linha de um messianismo real do que de um messianismo sacerdotal; Ele morre fora do espaço sagrado da Cidade e do Templo... Seu sacerdócio – segundo a Carta aos Hebreus - é um sacerdócio existencial e consiste, fundamentalmente, na entrega de todo o seu ser e existência ao Pai, no Espírito, e aos irmãos, reconciliando-os com o Pai e entre si, realizando, assim, uma vez por todas, a perfeita e insuperável mediação entre Deus e os homens.
68. “Aderindo a Cristo sacerdote por meio da fé, deixando-se purificar por Seu sangue e santificar pela oferta do Seu corpo, entrando no movimento do seu sacrifício[59], os cristãos são tornados capazes de dar a Deus um culto autêntico, que consiste na transformação de sua existência pela caridade divina”[60]. Por sua participação - pela fé e pelo batismo, pela esperança e pela crisma, pela caridade e pela eucaristia – no único sacerdócio de Cristo, o Povo de Deus da Nova Aliança é conjuntamente sacerdotal”[61]. Com efeito, todos os cristãos são chamados a “oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo”, a “elevar incessantemente a Deus, por meio de Jesus Cristo, um sacrifício de louvor” [62]e a “não se esquecer de fazer o bem e de praticar a mútua ajuda comunitária, pois estes são os sacrifícios que agradam a Deus”[63]; por isso, devem “eles próprios apresentar-se a Deus em sacrifício vivo e santo que lhe seja agradável”[64]. A vocação dos cristãos não os leva “a pôr sua confiança em ritos exteriores, mas a passar pelo sacrifício existencial de Cristo e valer-se, assim, de sua mediação sacerdotal”[65]. O Catecismo Tridentino explica esta realidade do sacerdócio comum dos fiéis num texto particularmente iluminante: “No que diz respeito ao sacerdócio interior, todos os fiéis, após terem sido purificados pela água salutar, são chamados sacerdotes; sobretudo, porém, os justos que têm o Espírito de Deus e, que pelo dom da graça de Deus, foram feitos membros vivos de Jesus Cristo Sumo Sacerdote. Estes, de fato, graças à fé tornada ardente pela caridade, imolam a Deus vítimas espirituais no altar do próprio coração; neste gênero devem ser consideradas todas as ações boas e honestas, que se endereçam à glória de Deus”[66]. O sacerdócio comum é, pois, um sacerdócio comum a todos os fiéis, isto é, a todos os batizados enquanto vivem a fé. Neste sentido, não é nenhum ministério, mas “o culto cristão existencial, que consiste na transformação da totalidade da vida por meio da caridade divina”[67]. É, portanto, a própria vida cristã, feita de fé, de esperança e de caridade. É a vivência, suscitada e sustentada pelo Espírito, da vocação universal à santidade!
COM TRÊS DIMENSÕES INSEPARÁVEIS
69. Este sacerdócio tem uma tríplice dimensão: a palavra, o culto e o serviço. A “palavra” é uma participação na função profética de Cristo e no seu testemunho. O “culto” é o culto existencial e a adoração em espírito e verdade, que, depois, se ritualizam na visibilidade litúrgica. O “serviço” exprime a liberdade dos filhos de Deus em relação a si mesmos, aos outros e aos bens deste mundo, o que os torna capazes de amar e servir, sobretudo aos pobres e pequenos, colocando-se a serviço de Deus e de seu Reino.
MINISTÉRIO ORDENADO - UM SERVIÇO À COMUNHÃO E À MISSÃO
70. É notável que esta trilogia - palavra, culto, serviço (ou realeza) - seja utilizada pelo Concílio quer para todos os batizados, quer para os ministros ordenados. Pode-se pensar que isto gere confusão, e, por isso, é preciso distinguir entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial (ou ministério ordenado). O Concílio o faz, mostrando que o “sacerdócio comum dos fiéis” e o “sacerdócio ministerial ou hierárquico” “diferem entre si segundo a essência, e não somente em grau”, e são “ordenados um ao outro, porque um e outro participam, cada qual de uma maneira particular, do único sacerdócio do Cristo”[68].
71. O que é importante entender aqui é que existem duas participações no único sacerdócio de Cristo: uma existencial (comum a todos os batizados), outra ministerial (específica dos ministros ordenados). A finalidade do segundo é permitir a cada batizado viver a vida cristã como um dom recebido. A Palavra vem de Deus; os Sacramentos vêm de Deus; a Graça vem de Deus; a Fé, a Esperança e a Caridade vêm de Deus; os Carismas vêm de Deus. O ministro ordenado é o sinal colocado na comunidade, mas também à sua frente, para significar que ela é constantemente suscitada e gerada não por suas próprias forças, mas por Aquele que a amou e se entregou por ela[69]!
72. Eles não se diferenciam entre si “por grau”, como se na Igreja houvesse superioridade de um sobre o outro, mas “por essência”, no sentido em que - além daquilo que é comum aos dois - estão numa relação diversa com Cristo e com a comunidade[70]. O ministério ordenado representa Cristo enquanto Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja: Cristo profeta, sacerdote e pastor no Seu ministério de mediação entre Deus e a humanidade e no Seu ministério de unidade entre os membros do Seu corpo eclesial[71]. Agindo “na pessoa de Cristo Cabeça”, o ministro ordenado serve à unidade do povo de Deus através do anúncio da palavra (dimensão profética), da celebração dos sacramentos (dimensão sacerdotal) e da animação e coordenação das comunidades (dimensão pastoral).
73. O ministério ordenado, portanto, não detém o monopólio de toda a ministerialidade da Igreja. Não é a “síntese dos ministérios”, mas o “ministério da síntese. Seu carisma é o da presidência da comunidade e, portanto, da animação, coordenação e discernimento final dos carismas. Fruto de um dom do Espírito, que se reconhece e comunica poderosamente no ato sacramental da ordenação, o ministro ordenado - bispo, presbítero, diácono - está a serviço do Espírito, que deve ser sempre de novo reconhecido e acolhido, na Igreja e no mundo.
UMA SÓ MISSÃO ASSUMIDA POR TODOS
74. Neste contexto, é importante ressaltar que a missão da Igreja não é responsabilidade de alguns, mas de todos. Todo o Povo de Deus não só é responsável pela vida, mas também pela missão da Igreja na Igreja e no mundo. A Lumen Gentium o diz claramente: “Os sagrados pastores conhecem, com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois eles próprios sabem que não foram instituídos por Jesus Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum”[72]. É neste sentido que se pode falar de uma “Igreja toda ministerial”, de uma “corresponsabilidade diferenciada”, de “todos responsáveis na Igreja”, de uma “Igreja de responsabilidades apostólicas compartilhadas”, de “Igreja toda em serviço”, de “comunidade enviada de serviço”, de “comunhão e participação” (Puebla) ou de “comunhão e missão” (CNBB)!
COM DIFERENTES CARISMAS E MINISTÉRIOS
75. Finalmente, a expressão Povo de Deus evoca a variedade de carismas, serviços e ministérios que o Senhor reparte entre os fiéis em vista da vida e da missão da Igreja. Com efeito, a comum incorporação a Cristo e à Igreja - realizada pelos sacramentos de iniciação - é constantemente enriquecida por uma inesgotável pluralidade de carismas, serviços e ministérios.
76. Em função de suas necessidades internas e dos desafios da missão no mundo, a Igreja, dócil às indicações do Espírito Santo, vai se estruturando e organizando. O Novo Testamento nos mostra este processo em curso. Ele não oferece um modelo único do modo de se estruturar a Igreja. Mostra, isso sim, diversos exemplos, respondendo às demandas dos diferentes contextos históricos e culturais. Também encontramos no Novo Testamento informações referentes a épocas distintas. Estes testemunhos são diversificados: nenhum deles pode ser considerado exclusivo e excludente dos demais.
CARISMA E MINISTÉRIO: DISTINGUINDO E UNINDO
77. Dois elementos estão subjacentes a todo este processo: a atuação do Espírito Santo na comunidade dos fiéis e a busca humana das melhores alternativas “para aperfeiçoar os santos em vista do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que alcancemos todos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito à medida da estatura da plenitude de Cristo”[73]. O exemplo mais claro desta busca ativa e criativa no Espírito está documentado em At 6,1-6: quando surge o primeiro conflito na comunidade de Jerusalém (6,1), são os Apóstolos que “convocam a assembléia dos discípulos” (6,2), conduzem o discernimento e indicam uma solução (6,2-3), mas é a assembléia que aprova a proposta dos apóstolos e escolhe os ministros (6,4-5), que, uma vez apresentados aos apóstolos, recebem deles a imposição das mãos (6,6).
78. Alguns textos do Novo Testamento apontam para uma íntima relação entre carisma e serviço/ministério. Os mais conhecidos são 1 Cor 12,4-11.28-30; Rm 12,4-8; Ef 4,10-13; 1 Pd 4,10; 2 Tm 1,6. Mais especificamente: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um o Espírito dá...”[74]. “Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, (...)”[75]. “É ele que concedeu a uns ser apóstolos, outros profetas, outros evangelistas, outros pastores e mestres...”[76]. “Todos vós, conforme o dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao serviço uns dos outros, como bons dispenseiros da multiforme graça de Deus”[77]. “Eu te exorto a reavivar o dom de Deus, que há em ti pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sobriedade”![78]
QUE SE ENTENDE POR MINISTÉRIO?
79. Por isso, há uma forte tendência, hoje, na teologia e na prática pastoral, de considerar ministério, fundamentalmente, o carisma que assume a forma de serviço à comunidade a à sua missão e que por esta é como tal acolhido e reconhecido.
80. Ministério é, antes de tudo, um carisma, ou seja, um dom do Alto, do Pai, pelo Filho, no Espírito (= dimensão transcendente), que torna seu portador apto a desempenhar determinadas atividades, serviços e ministérios em ordem à salvação[79]. Numa perspectiva trinitária, é preciso ressaltar aqui a unidade na variedade e a variedade na unidade[80]. Ao se falar de carismas, não se deveria privilegiar os mais extraordinários e espetaculares (como o dom das línguas, o dom das curas e milagres), mas os que sustentam a fé e ajudam-na a encarnar-se (como a sabedoria, a ciência, a profecia, o ensinamento dos doutores). Ao lado da capacidade de operar milagres, Paulo recorda o carisma da assistência e do governo da comunidade[81]. Diante da tentação de excluir da lista dos carismas os serviços mais humildes e estáveis, Paulo afirma o valor destes serviços, como no corpo humano, onde os membros menos nobres são os mais necessários[82]. Não se pode esquecer que a função de Apóstolos - aos quais, de alguma forma, sucedem, na Igreja, os ministros ordenados - situa-se também no conjunto dos carismas[83] e, em Paulo, vem em primeiro lugar[84]. Na verdade, todos os carismas, serviços e ministérios de que a Igreja é dotada pelo Espírito para cumprir a sua missão se complementam, cooperam uns com os outros e se integram, como os membros de um corpo[85]. Atenção especial merece o princípio de subsidiariedade.
81. Nem todo carisma, porém, é ministério. A dimensão de serviço deve caracterizar todo carisma[86] e seu portador deve aspirar ao dom maior, que é o amor[87]. Mas só pode ser considerado ministério o carisma que, na comunidade e em vista da missão, assume a forma de um serviço bem determinado, envolvendo um conjunto mais ou menos amplo de funções, que responda a exigências mais permanentes da comunidade e da missão, seja assumido com estabilidade, comporte uma verdadeira responsabilidade e seja acolhido e reconhecido pela comunidade eclesial (= dimensão imanente).
82. A recepção ou reconhecimento do ministério pela comunidade eclesial é essencial ao ministério, porque o ministério é uma atuação pública e oficial da Igreja, tornando seu portador, num nível maior ou menor, seu representante. Esta “recepção” ou “reconhecimento” dos ministérios tem modalidades e graus diversos, dependendo da natureza da função, ou seja, da sua relação com a identidade e a missão da Igreja.
TIPOLOGIA DOS MINISTÉRIOS
83. Na reflexão teológica e pastoral, têm-se distinguido os seguintes grupos de ministérios: a) ministérios simplesmente “reconhecidos” (às vezes, impropriamente, chamados ministérios “de fato”), quando ligados a um serviço significativo para a comunidade, mas não tão permanente, podendo vir a desaparecer ao variarem as circunstâncias; b) ministérios “confiados”, quando conferidos ao seu portador por algum gesto litúrgico simples ou alguma forma canônica; c) ministérios “instituídos”, quando o carisma, embora não ligado a uma consagração sacramental, é orientado a um serviço preciso, permanentemente exigido pela comunidade, com verdadeira responsabilidade, e é conferido pela Igreja através de um rito litúrgico chamado “instituição”; d) ministérios “ordenados” (também chamados apostólicos ou pastorais), quando o carisma é, ao mesmo tempo, reconhecido e conferido ao seu portador através de um sacramento específico, o sacramento da Ordem, que visa a constituir os ministros da unidade da Igreja na fé e na caridade, de modo que a Igreja se mantenha na tradição dos Apóstolos e, através deles, fiel a Jesus, ao seu Evangelho e à sua missão. Os ministérios “reconhecidos”, “confiados” e “instituídos” – tomados em conjunto – formam os ministérios não-ordenados, isto é, que não exigem a ordenação.
“HIERARQUIA E LAICATO” OU “COMUNIDADE-CARISMAS E MINISTÉRIOS”?
84. O Concílio Vaticano II pensou a estrutura social da Igreja em termos de hierarquia (realizando sua missão basicamente na Igreja) e laicato (realizando sua missão basicamente no mundo). É, com efeito, herdeiro da situação eclesial e da teologia que o precederam e prepararam. Tanto uma como outra esforçaram-se por resgatar, na prática e na teoria, a dignidade e a missão dos leigos e leigas. De forma densa, Lumen Gentium descreve - não faz uma definição, na verdade impossível - o leigo no nº 31, ressaltando sua condição cristã e eclesial, sua diferença em relação à hierarquia e aos religiosos, e enfatizando sua “índole secular”. Assim se expressa o Concílio: “Pelo nome de leigos aqui são compreendidos todos os cristãos, exceto os membros de ordem sacra e do estado religioso aprovado na Igreja. Estes fiéis pelo batismo foram incorporados a Cristo, constituídos no povo de Deus e a seu modo feitos partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, pelo que exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo. A índole secular caracteriza especialmente os leigos. (...). É porém específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e trabalhos do mundo. Vivem nas condições ordinárias da vida familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Lá são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro, contribuam para a santificação do mundo. E assim manifestam Cristo aos outros, especialmente pelo testemunho de sua vida resplandecente em fé, esperança e caridade. A eles, portanto, cabe de maneira especial iluminar e ordenar de tal modo as coisas temporais, às quais estão intimamente unidos, que elas continuamente se façam e cresçam segundo Cristo, para louvor do Criador e Redentor”.
85. Neste sentido, o Concílio, embora tenha lançado as bases para uma compreensão comunional da estrutura social da Igreja, essa estrutura continua ainda sendo pensada dentro do binômio clássico “hierarquia e laicato”. É sabido, porém, que esse binômio – que condiciona fortemente o nosso modo de entender e de viver a realidade eclesial e a missão – não é suficiente. De um lado, distingue muito; de outro lado, distingue muito pouco! Expliquemo-nos. O binômio distingue muito a hierarquia do laicato e vice-versa porque não realça suficientemente a unidade batismal, crismal e eucarística que liga no mesmo e único Espírito os leigos e os ministros ordenados. Deixa na sombra o que há de comum entre ambos (exatamente a “condição cristã”!) e o que mais os distingue em relação ao mundo (também a “condição cristã”!), e que, na verdade, é o mais importante! Vale aqui lembrar Santo Agostinho: “Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo, convosco sou cristão. Aquilo é um dever, isto uma graça. O primeiro é um perigo, o segundo salvação”[88]. Ao distinguir tão claramente hierarquia e laicato, como faz LG 31, dá-se a impressão, ao limite, que hierarquia e laicato não pertençam à mesma comunhão eclesial, que é toda ela “sacramento de salvação” no mundo e para o mundo! De outro lado, distingue muito pouco, porque, no interior da comunhão eclesial, destaca apenas estas duas realidades - a hierarquia e o laicato – deixando na sombra a imensa variedade de carismas, serviços e ministérios que o único Espírito suscita para a vida e a missão da Igreja!
86. Por isso, desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos - a começar por Congar - têm proposto pensar-se a estrutura social da Igreja em termos de “comunidade - carismas e ministérios”. O primeiro termo, “comunidade” (ou o teologicamente mais denso “comunhão”), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla “carismas e ministérios” inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo “leigo” ou “leiga”, mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os regenerados pela água e pelo Espírito: “santos”, “eleitos”, “discípulos”, “irmãos”[89]. À variedade de carismas e ministérios no Novo Testamento já se aludiu em outras partes deste texto.
87. Logo se levantam objeções: onde fica a relação com o mundo? o que é feito da índole secular não específica, mas “própria e peculiar” aos leigos? que valor tem ainda o mundo? A estas objeções se responde reinterpretando exatamente a “índole secular”, que, no pensamento do Concílio, não é específica e exclusiva dos leigos, mas – atenção para os termos cuidadosamente escolhidos pelo Concílio – “própria e peculiar”[90]. Tanto assim que, logo em seguida, o texto diz: “Pois os que receberam a ordem sacra, embora algumas vezes possam ocupar-se em assuntos seculares, exercendo até profissão secular, em razão de sua vocação particular destinam-se principalmente e ex-professo ao sagrado ministério. E os religiosos por seu estado dão brilhante e exímio testemunho de que não é possível transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças”[91]. Na verdade, a partir de uma “eclesiologia de totalidade” ou de uma “eclesiologia total”, é a Igreja toda - portanto, pastores e leigos, religiosos e não religiosos - que está no mundo e que é sacramento de salvação no mundo. Cada um, porém, realiza a missão da Igreja na Igreja e no mundo a partir do(s) carisma(s) e, eventualmente, do(s) serviços ou ministérios que exerce.
88. Na verdade, a “índole secular” (ou secularidade ou laicidade, como alguns preferem) pode ser considerada em quatro sentidos. Há, em primeiro lugar, uma “laicidade” do próprio mundo. É a sua consistência própria, a sua autonomia em relação à Igreja, a sua busca de formas de organizar a convivência humana - com critérios e por caminhos que a sociedade civil vai elaborando e compondo em consensos mais ou menos parciais: “as coisas criadas e as mesmas sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem”[92]. Há, em segundo lugar, uma “laicidade” da própria Igreja. Afinal, a Igreja toda - e não só os leigos e leigas - estão no mundo e participam de suas atividades em todos os campos, embora sejam bastante diversificadas as relações dos membros da Igreja com as atividades familiares, econômicas, sociais, políticas, culturais e religiosas que tecem a sociedade humana. Evidentemente, há uma “índole secular” própria e peculiar dos leigos e leigas, como LG 31 descreve com bastante propriedade. É neste sentido que com muito realismo o Concílio liga a vocação dos cristãos “especialmente” com o mundo: “Os leigos, porém, são especialmente chamados para tornarem a Igreja presente e operosa naqueles lugares e circunstâncias onde apenas através deles ela pode chegar como sal da terra. Assim, todo leigo, em virtude dos próprios dons que lhe foram conferidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da própria missão da Igreja”[93]. A Exortação Evangelii Nuntiandi é mais detalhada ao apresentar a missão do leigo no mundo: “O campo próprio de sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos “mas media” e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educacão das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento”[94]. E deve haver - se quisermos ser coerentes com a mensagem cristã e dignos de crédito na sociedade moderna e pluralista - uma “laicidade na Igreja”, que consiste em viver na Igreja aqueles valores (chamados de “laicos” no Ocidente) que são a referência ideal da convivência na sociedade civil (liberdade, fraternidade, solidariedade, igualdade) e que são pregados pela Igreja, mas nem sempre têm plena cidadania na vida e nas relações intraeclesiais.
89. As duas impostações acima descritas fazem-nos perceber a realidade eclesial a partir de ângulos diferentes, que podem se complementar, cuidando-se de evitar compreensões parciais de ambas.
90. No uso do termo “leigo”, não se deve esquecer de que o (a) leigo (a) é, antes de tudo, um cristão e um membro da Igreja, a pleno título, mesmo que não faça parte da hierarquia. Será que, sobretudo em nossas relações com a sociedade civil, não poderíamos evitar o termo “leigo” - com uma carga semântica negativa - e ter a coragem de usar o termo “cristão” ou “católico”, sem o excesso de zelo de afirmar sempre e em todo lugar - mesmo aos “de fora” - a diferença em relação à hierarquia?
91. Assumindo o binômio “comunidade - carismas e ministérios”, não se poderia esquecer a “laicidade” do mundo, a “laicidade” da e na Igreja e a “índole secular própria e peculiar” dos leigos e leigas, nos sentidos explicados acima. É claro, neste nível, que a grande maioria do laicato e a grande maioria do clero - sociologicamente falando - se enquadram na descrição de LG 31. Talvez por isso, sobretudo os leigos militantes em associações, nos sindicatos, na política tenham mais conaturalidade com o esquema “hierarquia-laicato” do que com o esquema “comunidade - carismas e ministérios”.
III - COMUNIDADE EM MISSÃO
Diretrizes para a evangelização
92. A participação diversificada na única missão do Povo de Deus, que tem como fim a construção da sociedade justa e fraterna e a edificação da Igreja como sinal do Reino, une a todos os cristãos. Na perspectiva da solidariedade e da complementaridade, eles se reforçam mutuamente e descobrem sua missão e seus carismas, que põem a serviço da comunidade e do mundo como frutos da multiforme graça de Deus recebida no Batismo, enriquecida e fortalecida na Crisma em vista da missão testemunhal.
93. Nesta terceira parte, apontaremos algumas diretrizes práticas, que deverão ser aplicadas às situações específicas com criatividade e enriquecidas em cada Igreja particular, paróquia, comunidade, movimento ou pastoral.
94. Partimos da concepção de que toda a Igreja é missionária e ministerial e que a base sobre a qual se fundamentam todos os ministérios é a comunidade evangelizadora. Sob o impulso do Espírito Santo, protagonista da missão, a comunidade, enriquecida pela variedade de carismas que o mesmo Espírito confere a todos os cristãos, forma seus ministros e lhes confia a missão para, em seu nome, anunciar a Boa Nova de Jesus através do serviço e participação na transformação da sociedade pelo bem dos pobres, do diálogo com as culturas e outras religiões, do anúncio do Evangelho e da vivência e testemunho da comunhão eclesial.
1. POR UMA COMUNIDADE PROFÉTICA, MISSIONÁRIA,
ACOLHEDORA, PARTICIPATIVA E MISERICORDIOSA
95. “Aprouve, no entanto, a Deus santificar e salvar os homens, não individualmente, excluindo toda a relação entre os mesmos, mas formando com eles um povo, que o conhecesse na verdade e o servisse em santidade”[95]. “O múnus de Pastor não se limita ao cuidado singular dos fiéis, mas estende-se propriamente à formação da genuína comunidade cristã”[96]. Essas declarações do Concílio lembram o que o Novo Testamento afirma com insistência. O apostolado individual é importante para a evangelização, mas ele deve estar integrado na comunidade cristã, que, por sua vez, é missionária e ativa no serviço do Reino de Deus.
96. Para que possam ser aquele sinal de unidade e paz que o mundo procura, as comunidades precisam cultivar as dimensões da acolhida, da misericórdia e da profecia. Numa sociedade em que cresce o número dos excluídos e descartáveis; onde a concorrência desenfreada e anti-ética dificulta a fraternidade e a paz; onde a injustiça e a corrupção tentam impor-se como normais, as comunidades deverão destacar-se como um referencial de vida e esperança, sobretudo para os mais pobres.
97. As comunidades sejam realmente fraternas, de tal forma que a igual dignidade de todos os fiéis seja evidenciada e seja estimulada a participação ativa de todos. As celebrações litúrgicas, respeitada a diversidade de funções e o papel específico dos ministros ordenados (bispos, padres, diáconos), coloquem em relevo a comunhão fraterna entre todos, de tal forma que o estranho possa nelas reconhecer um sinal da presença de Deus[97].
98. As paróquias, capelas, CEBs, pastorais, grupos cultivem uma particular solicitude para receber e introduzir na vida comunitária as pessoas que chegam de outros lugares ou que se reaproximam da vida eclesial. Sejam realmente acolhedoras, mais semelhantes a uma família do que a um aparato burocrático. Afastem formas de autoritarismo e mecanismos de exclusão. São freqüentes as queixas de que agentes de pastoral, padres e leigos, bem intencionados, exercem um controle demasiadamente rigoroso sobre a participação de novos membros, desencorajando-os ou afastando-os. É preciso superar estas atitudes e ter mais respeito e paciência para com os novatos na comunidade.
99. Mais cuidado ainda exige o acolhimento daqueles que são “diferentes” e procedem de outra religião ou de uma situação de vida e de cultura estranhas às comunidades eclesiais. Nesses casos, lembre-se a atitude das primeiras comunidades cristãs, que não discriminavam raça ou povo, gênero ou classe: “Não há mais judeu nem grego; não há mais escravo nem livre; não há mais homem nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus”[98].
100.Uma categoria de pessoas que merece particular atenção e condescendência é a daquelas que estavam afastadas da Igreja ou até permanecem numa situação canônica irregular, mas manifestam o desejo de reaproximação. É preciso seguir o exemplo de Jesus: compreensão, respeito e misericórdia para com aqueles que o Senhor, no Evangelho, chama de “doentes”[99] ou “pequenos”[100].
101.Muitas vezes, nossas comunidades mal merecem esse nome, porque são demasiadamente grandes, massificadas, impessoais. Devemos continuar o nosso esforço de estimular a formação de comunidades menores ou de grupos, que facilitem um relacionamento direto e pessoal. No ambiente urbano, será mais difícil estabelecer comunidades e grupos com a mesma estabilidade e de maneira homogênea como acontecia na sociedade tradicional. Porém, grupos ou comunidades ambientais (trabalhadores de uma empresa, profissionais da saúde, professores...) podem trazer bons resultados. Em todo caso, é importante multiplicar diversas formas de relacionamento, aproveitando as múltiplas possibilidades da comunicação de hoje: rádio, TV, impressos, telefone, fax, Internet, contatos pessoais, além da participação na liturgia dominical e em alguns encontros, cuja densidade espiritual deveria ser muito bem cuidada. Pessoas, grupos e comunidades podem permanecer em comunicação entre si, como numa “rede” de troca de informações e experiências, que lhes permita se alimentar da riqueza da vida cristã de outros grupos ou movimentos, da paróquia, da diocese, da Igreja que atua em nível regional, nacional e mundial.
102. É preciso dar continuidade e novo vigor à nossa orientação de 1981, que pedia: “fazer com que todos os fiéis, diretamente ou através de representantes eleitos, participem quanto possível não só da execução, mas também do planejamento e das decisões relativas à vida eclesial e à ação pastoral; para isso podem promover-se periodicamente assembléias e sínodos do povo de Deus, devendo-se manter, em todos os níveis, conselhos pastorais, como recomenda o Concílio[101] e Puebla[102] o reafirma”[103]. Haja o cuidado, nos Conselhos, de não buscar simplesmente a vontade da maioria, mas quando possível o consenso de todos ou soluções que conciliem direitos e interesses da maioria e dos grupos minoritários. Diante do consenso do Conselho, o Pároco assuma sem hesitar a decisão, a não ser que motivos gravíssimos de consciência lhe imponham um momento de reflexão ou consulta ao Bispo diocesano, para voltar novamente a dialogar com o Conselho.
103.Para que a participação possa ser efetiva, tenham os fiéis oportunidades reais tanto de informação sobre a vida eclesial quanto de formação cristã, sem o que dificilmente poderão participar consciente e responsavelmente da missão. Com o Projeto “Rumo ao Novo Milênio” a Conferência Episcopal está incentivando um esforço amplo e constante de formação de jovens e adultos, que necessitará maior apoio e continuidade. Esse esforço abre ao povo cristão as riquezas da Palavra de Deus e contribui para formar um espírito crítico face à cultura de massa, pobre de valores éticos, individualista e consumista.
104. Num País profundamente marcado por formas graves de injustiça e de marginalização social, nossas comunidades precisam aprofundar o conhecimento e a prática da doutrina social da Igreja e, a exemplo de Jesus e dos profetas, denunciar com firmeza, tudo aquilo que se opõe ao Evangelho e contraria aos princípios éticos de uma sadia convivência humana. Atentas aos sinais dos tempos, as comunidades terão os olhos voltados para o futuro, confiantes de que o Senhor nos precede na história e na missão, sustentando-nos na caminhada. As comunidades cristãs, em parceria com outros construtores da sociedade pluralista, esforcem-se para serem portadoras da memória e profecia do Espírito.
105. A comunidade cristã contribuirá para a evangelização pelo testemunho de suas atitudes evangélicas, inspiradas na prática de Jesus, como o acolhimento, a fraternidade, a compreensão e misericórdia, a atenção às pessoas através de pequenos grupos, participação e corresponsabilidade nas decisões. Promoverá, além disso, atividades específicas, evangelizadoras ou missionárias, seja no próprio ambiente, seja em realidades aparentemente impermeáveis ao Evangelho, seja nas missões “além fronteiras”[104]. Não há dúvida de que a hora presente exige que toda comunidade eclesial seja missionária, a serviço da nova evangelização. Portanto, ela deverá rever sua vida e atuação para adequá-las às exigências da missão atual. Bispos e padres, leigos e leigas, religiosos e religiosas, todos deverão dispor-se com novo ardor para assumir sua responsabilidade missionária.
106.Do seio dessas comunidades que surgirão os leigos capazes de levarem à frente a obra de Jesus, o serviço do Reino, através da evangelização inculturada, que “significa a íntima transformação dos valores culturais autênticos, pela sua integração no cristianismo e o enraizamento do cristianismo nas várias culturas”.[105] A evangelização inculturada é uma realidade complexa, feita de diversos aspectos ou dimensões, embora profundamente conexos entre si.[106] Explicita-se mais claramente nas suas exigências constitutivas de serviço, diálogo, anúncio e testemunho de comunhão.
2. SERVIÇO E PARTICIPAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE PELO BEM DOS POBRES
107.Aos cristãos leigos compete uma atuação insubstituível na construção da sociedade justa e fraterna, a partir de sua condição e ambiente próprios. Aí eles enfrentam, particularmente, dois desafios básicos: a luta contra a pobreza e a defesa intransigente da ética pública. O Concílio exorta os leigos a que se empenhem generosamente no desempenho do seu papel de evangelizadores, capazes de opor, uma visão cristã dos problemas de hoje às gravíssimas ameaças à ética e à religião. “O apostolado no meio social, a saber, o esforço de dar, pelo espírito cristão, nova forma à mentalidade e aos costumes, às leis e às estruturas da comunidade em que vivem, a tal ponto é dever dos leigos, que por outros nunca poderiam ser devidamente realizados” [107].
108.Após o Concílio, a reflexão desenvolvida pelos Sínodos e Episcopados destacou a conexão entre evangelização e animação cristã das realidades terrestres, ou, em outras palavras, entre evangelização e libertação, promoção humana, desenvolvimento[108]. Apareceu mais claro que a “animação cristã das realidades terrestres” exigia uma profunda transformação da sociedade e implicava uma luta difícil contra estruturas injustas, contra um verdadeiro “pecado social”[109]. O Papa João Paulo II, na Exortação após o Sínodo de 1987, descrevendo a missão dos leigos, articula estreitamente o anúncio do Evangelho[110] e o serviço da pessoa e da sociedade[111].
109.Vemos com alegria e esperança a atuação de inúmeros leigos que, com consciência crítica, testemunham o Evangelho no seu ambiente familiar, no trabalho, na política e na participação firme e eficaz nos mais diversos setores da sociedade civil. Persistem, porém, parcelas significativas do Povo de Deus marcadas, ainda, pela dicotomia entre fé e vida e que se deixam facilmente influenciar pelo ambiente e cultura dominantes.
110.A experiência no mundo da política tem se revelado aos leigos cristãos ser bem mais difícil do que se imagina à primeira vista. Devido ao senso comum que considera a política como algo sujo, as comunidades cristãs nem sempre confiam naqueles que, mesmo saindo de seu meio, assumem esta tarefa na sociedade civil. Muitos se queixam de que depois de terem assumido um mandato político se sentem abandonados pela comunidade cristã de origem. No entanto, há os que assumem esta tarefa conscientes de que são portadores de uma radicalidade evangélica que não pode ser instrumentalizada, submetida, anulada. Cabe às comunidades cultivarem atitudes concretas de apoio, acompanhamento e formação permanente aos que despertam para essa vocação. Convém destacar aqui algumas iniciativas já bem sucedidas, tais como Comissão de Justiça e Paz, Centros de Defesa de Direitos Humanos, Escolas de Fé e Política, Comissões de acompanhamento das sessões das Câmaras Municipais e outras.
111.A exigência da solidariedade e do serviço aos mais pobres tem levado a renovar as práticas de caridade e assistência social. Novas situações de pobreza e de sofrimento solicitam novas atitudes por parte dos cristãos caridosos, empenhados numa ação social, que procura ir além da mera assistência, para criar iniciativas de economia solidária, de auto-ajuda, de promoção e transformação social. Formas novas de atuação pastoral têm suscitado um extraordinário número de agentes voluntários, como por exemplo, pastoral da criança, pastoral do menor, pastoral da saúde, pastoral carcerária, recuperação de dependentes químicos e marginalizados. Freqüentemente também são promovidas campanhas de solidariedade, que mobilizam jovens e adultos. Além disso, continua a generosa dedicação das muitas pessoas, homens e mulheres, que cuidam das obras sociais. Sem fechar-se sobre si mesma, toda comunidade se empenhe para que não haja nela nenhum necessitado[112].
112.A missão do leigo na sociedade apresenta-se hoje à consciência cristã como uma forma de evangelização, em que aspectos diversos podem ser acentuados, conforme o apelo das circunstâncias e a vocação pessoal de cada um: desde a transformação das realidades terrestres, pela ação social e política, até o anúncio da mensagem evangélica pela palavra, pelo testemunho de vida e pelo diálogo, sempre em atitude de serviço inspirada pelo Cristo que veio para servir.
3. DIÁLOGO COM AS CULTURAS E OUTRAS RELIGIÕES
113.A certeza de que o Espírito Santo está presente nas mais diversas religiões e culturas leva a comunidade eclesial a buscar no diálogo com elas o conhecimento mútuo, o aprofundamento da verdade e a parceria na construção de uma nova sociedade, que supere todas as discriminações e dominações. Destaca-se aqui a grande responsabilidade do cristão leigo, por estar em permanente relação com pessoas de diferentes religiões e culturas. Constata-se, porém, que no campo do diálogo com a cultura moderna e com as outras religiões, estamos apenas começando e temos longo caminho a percorrer.
114.Por outro lado, evidencia-se para todos a existência de uma sociedade profundamente marcada pelo pluralismo cultural e religioso. Esse fenômeno pode ser localizado, com freqüência, até mesmo no seio das famílias católicas, onde os costumes e a religião dos pais já não são transmitidos tranqüilamente para os filhos. Desse contexto emerge o imperativo do diálogo como condição para o anúncio autêntico e eficaz do Evangelho.
115.Cresce, por isso, a consciência da necessidade de um acompanhamento sério dos cristãos, no sentido de ajudá-los a desenvolver aquelas disposições que tornam o diálogo autêntico e proveitoso: “equilíbrio, que une abertura e realismo; convicção, que permite expressar com sinceridade e integridade a própria fé; busca do aprofundamento da verdade, inclusive da compreensão mais completa da própria fé; disposição para acolher com gratidão os dons de Deus e os frutos do próprio diálogo”.[113]
116.No diálogo com os homens e mulheres de boa vontade, o leigo católico esforçar-se-á por perceber, compreender ou interpretar as interrogações e os anseios dos que buscam a Verdade e o encontro com Deus. Aqui também os caminhos ou as mediações são importantes, num mundo em que às vezes a pessoa do Cristo vivo e a mensagem cristã estão obscurecidas pelos pecados dos próprios cristãos, por suas violências e crimes históricos.[114]
117. Ganham corpo também junto aos leigos algumas experiências concretas de ecumenismo no campo de cursos, seminários e sobretudo de atuação em áreas de necessidades fundamentais no resgate da cidadania. Crescente adesão tem recebido a “Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos”.
118.O Papa João Paulo II é o grande promotor da aproximação dos cristãos e dos povos, no afã de favorecer, em nível mundial, a superação definitiva do espírito bélico e a vivência efetiva da paz. Na Tertio Millennio Adveniente, o Santo Padre propõe como meta do Grande Jubileu a união dos cristãos ou, pelo menos, uma maior aproximação entre eles[115]. No Brasil, estamos nos empenhando em organizar, para o ano 2000, uma Campanha da Fraternidade ecumênica.
119. Nessas e noutras iniciativas procuraremos agir, não sozinhos, mas sempre em diálogo e comunhão com os irmãos de outras Igrejas. Já nos valemos da experiência do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) para ampliar a consciência e o movimento ecumênico em nosso País.
120.Tudo isso torna, cada vez mais urgente, a boa formação de cristãos leigos aptos para o diálogo com a cultura moderna e para o testemunho da fé numa sociedade que se apresenta sempre mais pluralista e, em muitos casos, indiferente ao Evangelho.
4. ANÚNCIO DO EVANGELHO
121.O maior desafio missionário, no Brasil hoje, é a nova evangelização. A grande maioria dos brasileiros recebeu o batismo e um anúncio, pelo menos elementar, do Evangelho. Apesar disso, percebe-se que não estão vivendo a fé com tal convicção que influencie seu modo de vida. Com acerto, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora afirmam que “os católicos não praticantes constituem o maior desafio missionário ... ao menos do ponto de vista quantitativo”[116]. Essa situação origina-se principalmente do fato que as famílias e o ambiente sócio-cultural não conseguem mais comunicar a fé às novas gerações, que portanto precisam ser novamente evangelizadas, a partir agora do contexto moderno e urbano, diferente do contexto rural e tradicional, que antigamente conservava a fé.
122.Tempos atrás, as missões se impuseram, em todo o País, como necessárias para avivar a fé do povo, que vivia isolado, e para renovar as convicções, que davam sentido à sua vida e orientavam a sua caminhada. Hoje ainda persistem algumas situações semelhantes às de ontem. Em geral, porém, a situação mudou. As pessoas não vivem isoladas, mas no meio da multidão, na cidade, ou em contato com o mundo inteiro, através da televisão. O que escutam e vêem, o mais das vezes, é um incentivo a pensar em si mesmas, a desejar um pouco de tudo - principalmente os bens materiais, o bem-estar, “a felicidade de ter” isto ou aquilo - e a se esquecer dos outros, talvez até de Deus. Dizem que nunca houve tanta informação como hoje e tão pouca comunicação entre as pessoas. Essa situação provoca a busca de novos métodos na evangelização que ajudem o povo a resgatar o sentido mais profundo de sua vida e a razão de sua fé.
123.A consciência da necessidade de uma nova evangelização mais ardorosa e mais inculturada, sustentada pelo Projeto Rumo ao Novo Milênio, tem suscitado um significativo movimento missionário, que vai desde a realização de missões em áreas pouco atendidas pastoralmente até à difusão de experiências comunitárias, à pregação itinerante, à fundação de círculos bíblicos ou de “grupos de rua”, às missões populares de avivamento da fé no meio da massa dos fiéis.
124.Por todo o País multiplicam-se as experiências das missões populares. Através delas tem se conseguido revalorizar e purificar a religiosidade popular e, ao mesmo tempo, articular melhor fé e vida. O PRNM, em comunhão com organismos missionários, vem desenvolvendo novas práticas no âmbito da formação de evangelizadores e incentivando as Igrejas particulares a exercitarem a criatividade na implantação das mais diversas formas de missão, tanto na zona rural quanto nas áreas urbanas.
125.A dimensão do anúncio da Boa Nova tem encontrado, nas comunidades, movimentos e pastorais uma significativa e crescente receptividade. Papel significativo têm desempenhado os santuários, que reforçam a fé e a esperança dos romeiros, ajudando-os a articular fé e vida e remetendo-os ao engajamento nas comunidades de origem.
126.O ministério da visitação está produzindo muitos frutos nas comunidades. Os agentes de pastoral visitam as famílias e encontram as pessoas onde elas vivem, trabalham, mesmo aquelas que não procuram espontaneamente a comunidade eclesial.
127. Esse ministério é completado pela prática do aconselhamento. Pessoas com habilidade e preparo procuram escutar, compreender, apoiar, orientar e consolar as pessoas que se encontram na dúvida ou em dificuldades afetivas, espirituais e materiais. Algumas dessas práticas foram realizadas pioneiramente por movimentos que hoje apontam para todos este caminho, essencial para tornar a nossa Igreja acolhedora e misericordiosa.
128.Têm também um papel missionário marcante as iniciativas comunitárias e os movimentos que possibilitam uma autêntica experiência religiosa, de encontro com o Cristo Vivo, às pessoas que estão afastadas das comunidades eclesiais. Toda comunidade deve hoje cuidar de um modo muito particular de que suas celebrações e reuniões se constituam em lugar da experiência de Deus, como Paulo pedia aos Coríntios[117].
129.Constata-se também que há um número sempre crescente de leigos e leigas assumindo missões em áreas longínquas e até mesmo além das fronteiras do nosso País. No espírito do Jubileu, que nos convida a cancelar as dívidas, as comunidades eclesiais no Brasil são chamadas a repartir melhor seus recursos humanos e materiais com as comunidades mais carentes, em particular, partilhando o esforço missionário com a Igreja da Amazônia. Nesta partilha entre irmãos, tanto se beneficia quem recebe quanto aquele que dá[118].
130.Permanecem, porém, desafios missionários mais amplos e árduos. No momento atual, a grande procura de religiosidade não pode esconder o fato que ela, em grande parte, não ultrapassa a esfera da vida privada. Os meios econômico, político, científico, profissional são, ao contrário, fortemente secularizados. Eles prescindem da dimensão religiosa da vida, pois a consideram irrelevante para suas finalidades. Os cristãos que atuam nesses meios vivem o drama do conflito de consciências entre as exigências do sistema econômico, político e profissional, e as convicções éticas de inspiração cristã. Por outro lado, o sistema econômico-político exerce poderosa influência, através dos meios de comunicação de massa, sobre a cultura e a mentalidade do povo. Eles constituem um “moderno areópago”, onde é urgente a presença de apóstolos competentes e corajosos.
5. VIVÊNCIA E TESTEMUNHO DA COMUNHÃO ECLESIAL
131.A comunidade eclesial é missionária, pela sua própria existência. Ela deve dar testemunho de comunhão fraterna e daquela unidade com o Pai, pelo Filho e no Espírito, que é necessária “para que o mundo creia”[119]. Para isso, ela se alimenta permanentemente na Liturgia e na Palavra de Deus. O Concílio Vaticano II reconheceu o valor central dessas duas fontes de vida cristã e a elas dedicou as constituições Sacrosanctum Concilium e Dei Verbum. Contribuiu assim para a profunda renovação da liturgia e a ampla divulgação e leitura da Bíblia entre os católicos. Aspecto importante dessa renovação foi a revalorização dos carismas e a nova repartição das tarefas e ministérios destinados a tornar mais acessível à comunidade as riquezas da Liturgia e da Palavra.
132.O Concílio Vaticano II ajudou a Igreja latina a redescobrir a presença do Espírito Santo, quer valorizando os carismas[120], quer ressaltando sua atuação na origem e na missão da Igreja.[121] O sacramento da Confirmação é como que o “pentecostes” do cristão batizado que o consagra permanentemente para a missão no seio do povo de Deus. “Pelo sacramento da Confirmação são vinculados mais perfeitamente à Igreja, enriquecidos de especial força do Espirito Santo e assim mais estreitamente obrigados à fé que, como verdadeiras testemunhas de Cristo, devem difundir e defender tanto por palavras como por obras”[122]. Para um laicato consciente é de capital importância a convicção de ter sido marcado, com um caráter indelével, pelo selo do Espírito, enviado por Cristo de junto do Pai, e derramado sobre a sua Igreja, para ficar com ela até o fim dos séculos. Sem essa mística, torna-se difícil para os leigos dar à ação pastoral “um novo impulso, capaz de suscitar, numa Igreja ainda mais arraigada na força e na potência imorredouras de Pentecostes, tempos novos de evangelização”[123].
133.O Concílio Vaticano II abriu oportunas perspectivas no campo dos ministérios, estabelecendo que “a hierarquia confia aos leigos algumas funções que estão mais intimamente ligadas aos deveres dos pastores, como no ensino da doutrina cristã, nalguns atos litúrgicos e na cura de almas”[124]. Já em 1975 o Papa Paulo VI podia manifestar “uma grande alegria” por ver o florescimento de ministérios não-ordenados e encorajava a abertura “para ministérios eclesiais susceptíveis de rejuvenescer e de reforçar o dinamismo evangelizador” da Igreja[125]. O Papa João Paulo II reafirma que, “quando a necessidade ou a utilidade da Igreja o requer, os pastores podem, segundo as normas estabelecidas pelo direito universal, confiar aos fiéis leigos certos ofícios e funções que, embora ligados ao seu próprio ministério de pastores, não exigem, contudo, o sacramento da Ordem”[126].
134.O Código de Direito Canônico prevê, no cânon 517, § 2, em casos excepcionais, a nomeação de leigos para participar do cuidado pastoral de uma paróquia, que porém continua confiada ao governo de um presbítero como pároco. Leigos e leigas podem integrar uma equipe pastoral que ajude o pároco no desempenho de suas responsabilidades. Entre nós, leigos e leigas assumem, em grande escala, o serviço de animação das pequenas comunidades ou comunidades eclesiais de base, em que se articulam muitas das paróquias, especialmente nas regiões rurais e nas periferias urbanas.
135.Na tradição cristã, o ministério da Palavra é o primeiro ministério pois é chamado a suscitar a fé e a educá-la[127]. Em nosso país, são particularmente numerosas as celebrações dominicais da Palavra, presididas por leigos e leigas, que se esforçam por desempenhar esta função na fidelidade ao Evangelho e atendendo as orientações da Igreja e do bispo diocesano.[128]
136.Muitos outros leigos e leigas, especialmente os catequistas, cuidam da educação da fé de crianças, jovens e adultos, desempenhando o ministério da catequese, com o apoio da paróquia e da diocese. Hoje, a catequese supre muitas vezes a falta de educação da fé por parte da família. A catequese não conta mais com o apoio de um ambiente cristão e se vê desafiada pela cultura atual. Por isso, é tanto mais necessária uma boa formação dos catequistas. Mais freqüentes se tornam também os pedidos de catequese de adultos, para os quais é necessário descobrir um itinerário de fé adequado às circunstâncias atuais. Não esqueçam, porém, os leigos que, acima de tudo, podem e devem exercer a vocação profética recebida no batismo, pelo exemplo e a palavra, em sua vida quotidiana e onde o Espírito os chamar.
137.Os leigos participem dos conselhos pastorais e econômicos, em nível diocesano, paroquial e comunitário. Reiteramos o convite a dioceses e paróquias que, porventura, ainda não tenham instituído esses conselhos, para que os convoquem e os promovam, como eficiente instrumento de participação do povo de Deus. Cuide-se, outrossim, para que eles sejam realmente representativos da comunidade[129].
138.Continue-se a experiência já bastante difundida e proveitosa em nosso País dos ministros extraordinários da Sagrada Comunhão, seja temporários, seja estáveis. No exercício deste ministério, prestem preciosa colaboração na assistência espiritual aos enfermos e idosos. Esse serviço laical torna-se ainda mais necessário e urgente se considerarmos que uma parcela significativa do povo morre sem o conforto do sacramento da Unção dos Enfermos. Cuide-se também de oferecer a esses ministros formação e acompanhamento adequados.
139.A prática, em muitos lugares, de se confiar a fiéis leigos o ministério extraordinário do Batismo tem-se revelado pastoralmente valiosa. Ela poderia ser estendida a outras comunidades, com autorização do bispo diocesano. Incentivamos as comunidades a cuidar com particular zelo da pastoral do batismo, sacramento que todos os pais católicos procuram para seus filhos e que é portanto, uma ocasião preciosa de contato com todas as famílias, mesmo aquelas que não freqüentam assiduamente a Eucaristia ou outros sacramentos.[130]
140.Em algumas regiões do País, verifica-se a atuação de fiéis leigos como testemunhas qualificadas do sacramento do Matrimônio. Este ministério pode ser pastoralmente mais proveitoso quando inserido num processo de pastoral familiar, que prepare e acompanhe os casais. E é tanto mais necessário quanto mais difícil for a situação pastoral.
141.As exéquias constituem-se num momento pastoral privilegiado, porque todos são, nesta hora, mais abertos à mensagem da fé. Sua celebração pode ser confiada a ministros não ordenados que, em nome da Igreja dão, nesta ocasião, um testemunho de esperança, de solidariedade e de conforto.
142.Os ministérios até aqui citados estão regulados por normas da Igreja universal e possuem muitas vezes uma longa tradição. Mas as mudanças recentes nas situações sociais e culturais de nosso País, além de situações particulares ou regionais, têm favorecido a criação e ainda poderão suscitar outros tipos de serviços pastorais, que respondam às necessidades das pessoas e comunidades.
143.A grande mobilidade de pessoas e famílias e, por outro lado, a solidão e o isolamento de que sofrem muitas pessoas no meio urbano têm incentivado recentemente as comunidades a criar e valorizar o ministério da acolhida, que visa a receber pessoas novas na comunidade ou a oferecer oportunidades de escuta e de aconselhamento para as pessoas que se sentem sozinhas ou desorientadas.
144.A crescente busca de espiritualidade e de oportunidades de oração comunitária suscita a procura e a formação de animadores de grupos de oração, de cantos religiosos, de círculos bíblicos e de grupos de reflexão, de celebrações de louvor ou penitenciais (não sacramentais), de reza do terço, de animação da música e do canto religioso. Além dos ministérios litúrgicos já citados acima, é notável a difusão das equipes que cuidam da preparação da missa dominical e da celebração dos diversos sacramentos, favorecendo uma participação viva do povo e celebrações de cunho mais pastoral e catequético.
145. Constata-se, com alegria, que cresce na Igreja do Brasil o número de teólogas e teólogos leigos que assumem a missão da assessoria teológica junto às comunidades, da reflexão sistemática da fé e do ensino nas mais diversas escolas teológicas do País. Multiplicam-se inúmeros cursos de teologia para leigos, distintos na duração e no nível, mas todos procurando dar uma formação mais aperfeiçoada do que a catequese costumeira. É necessário, portanto, investir mais recursos na formação dos leigos, seja através de bolsas de estudo, seja remunerando convenientemente as atividades de ensino e pesquisa.
146.As difíceis condições econômicas do povo têm gerado uma preocupação de administrar com eficiência os escassos recursos das comunidades, para assegurar da melhor forma possível a construção de igrejas, capelas e centros comunitários, a sustentação dos ministros, a dignidade do culto e assistência aos pobres. Neste serviço de administração, destacam-se muitos leigos e leigas que zelam pelo bem da comunidade. Outros profissionais prestam, gratuitamente, serviços de assessoria administrativa e jurídica ou no campo da comunicação social, auxiliando pastorais e organismos eclesiais, paroquiais ou diocesanos. Todos esses serviços merecem apoio para o seu desenvolvimento.
147.Outra prática que vem se tornando comum em nossas comunidades é a de substituir as espórtulas por uma pastoral do Dízimo, que organiza a sustentação financeira dos ministros e das atividades pastorais, desvencilhando-a de uma vinculação demasiadamente estreita com os sacramentos. Recomenda-se fundamentar biblicamente a prática do dízimo e destinar sua arrecadação prioritariamente às pessoas e atividades pastorais.
148.É importante que jovens e adultos continuem a assumir a iniciativa de reunir grupos de jovens e de lhes proporcionar oportunidades de formação, crescimento, opção vocacional e engajamento. Incentive-se, ainda, a criação de grupos de adolescência e infância missionárias. Esta tarefa exige paciência e perseverança, porque os grupos se renovam e mudam muito rapidamente. Outros devem dedicar-se a tarefas mais especializadas no campo da educação da fé ou do ensino religioso.
149.Finalmente, leigos e leigas assumem, a pedido das comunidades ou dos respectivos organismos pastorais, as funções de participação e de animação nos mais diversos níveis de coordenação eclesial. Os conselhos ou coordenações paroquiais e diocesanas são espaço para essa representatividade. Cabe a eles zelar para que os diversos serviços trabalhem em harmonia e não falte à comunidade ou organização nada daquilo de que precisa. Funções de coordenação podem ser requeridas também em nível paroquial, de setor, de diocese, exigindo uma dedicação maior, às vezes até a dedicação em tempo integral. A criação de coordenadores pastorais, em diversos níveis, tem sido uma condição imprescindível de êxito do planejamento que caracteriza a ação pastoral no Brasil desde os anos sessenta.
6. FORMAÇÃO, ESPIRITUALIDADE E ORGANIZAÇÃO
150.A eficaz atuação dos leigos na evangelização exige uma profunda e séria preparação, com a finalidade de favorecer o amadurecimento e o exercício da liberdade e dos carismas. O leigo necessita, igualmente, uma vida interior de consciência e espírito de responsabilidade. Isso supõe uma formação espiritual, adequada, tanto mais que o ambiente cultural da sociedade atual freqüentemente é orientado em sentido contrário aos valores cristãos. É portanto necessário criar condições para que os leigos católicos encontrem mais facilmente os caminhos da descoberta e do aprofundamento de uma espiritualidade laical, baseada na oração pessoal e comunitária e na vida sacramental, capaz de sustentá-los em sua atuação no mundo - na realidade da família, da educação, do trabalho, da ciência, da cultura, da política, dos compromissos sociais e civis... - seja para testemunhar o Evangelho, seja para transformar a sociedade.
ESPIRITUALIDADE DO CRISTÃO
151.A espiritualidade de leigos e leigas é, antes de tudo, o caminhar nas estradas da vida, com Cristo, no vigor do Espírito Santo, ao encontro do Pai, construindo seu Reino. Os discípulos e discípulas de Jesus hoje são como os discípulos de Emaús: pessoas a caminho, desalentadas, mas que encontraram um desconhecido que as acompanha e faz arder seus corações, enquanto lhes fala das Escrituras. Quando solicitam que permaneça com eles, finalmente o reconhecem no gesto de partir o pão[131]. Depois deste reconhecimento, voltam para anunciar aos demais: “Aquele que morreu está vivo!”.
152.Hoje, como naquele tempo, as pessoas que se sentem chamadas, “vocacionadas” ao seguimento de Jesus, desinstalam-se, entram na caminhada, para fazerem a experiência de sua presença e permanecerem unidos a Ele, à sua palavra, ao seu amor[132] e, então, partirem para anunciá-lo ao mundo. Por isso, a espiritualidade do seguimento é fundamental para a vivência cristã. O Espírito que sopra onde quer ensina-nos o verdadeiro seguimento de Jesus, suscita hoje uma espiritualidade mais integrada onde todas as dimensões humanas são contempladas: a afetividade, a emoção, a racionalidade, a criatividade, a corporeidade.
153.Os discípulos de Emaús caminharam junto com Jesus, experimentaram sua presença e regressaram à comunidade, animados e encorajados. Esse encontro com Jesus é experiência do Mistério que nos circunda e envolve, que aquece os corações, que seduz as pessoas, proporcionando um sentido novo às nossas vidas. A paixão por Jesus nos leva a viver a compaixão, a solidariedade e a fazer da partilha fraterna nosso estilo de vida.
154. A convivência cotidiana em família é o espaço primeiro para viver esta espiritualidade, procurando confrontar a própria vida com a vida e as opções de Jesus de Nazaré, que “passou fazendo o bem”[133], numa atitude de total abertura ao Pai e aos irmãos. Certamente, a experiência da família embebida desta espiritualidade será diferente. A vivência de relações igualitárias, promotoras de respeito à dignidade e às diferenças, possibilitará um real diálogo e participação de todos os membros, criando desta forma possibilidades para uma inserção criativa e crítica na sociedade.
155.O Vaticano II denuncia a gravidade da ruptura entre fé e vida, entre evangelho e cultura. João Paulo II convida os leigos e leigas a estabelecer a unidade de vida sustentada pela espiritualidade. “Não pode haver na sua existência duas vidas paralelas: por um lado, a vida chamada ‘espiritual’, com seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura. [...] Toda atividade, toda situação, todo compromisso - como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade na esfera da cultura - são ocasiões providenciais de um contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade”.[134] Leigos e leigas fazem do fogão, do torno, da cátedra, da enxada, do bisturí... verdadeiro altar. Imersos no mundo do trabalho, encontram inspiração no testemunho de Jesus de Nazaré, o filho do carpinteiro; em Maria servindo a prima Isabel... )
156.Maria, “a primeira entre os humildes e os pobres do Senhor”[135], a primeira discípula de Jesus nos orienta no seguimento de seu Filho, integrando a docilidade ao Espírito[136] e o serviço generoso às irmãs e irmãos[137]. Os acontecimentos eram, por ela, considerados à luz da própria experiência, da Palavra de Deus, da atenção à vida e à história. Exemplo disso é o Magnificat onde louva e bendiz a Deus pelas maravilhas que Ele realizou na sua vida, na vida do seu Filho e na vida do seu povo[138]. Discípulos e discípulas hoje, reconhecerão que Maria é modelo de reflexão da vida à luz da fé. Mulher corajosa, que disse sim a Deus e não às injustiças, ao proclamar: que Deus é vingador dos humildes e dos oprimidos e derruba do trono os poderosos. Mulher forte “que conheceu de perto a pobreza, o sofrimento, a fuga e o exílio - situações estas, que não podem escapar à atenção de quem quiser secundar com espírito evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade”[139].
157.A espiritualidade do seguimento de Jesus, vivida por suas testemunhas - leigos como Frederico Ozanam e Santa Catarina de Sena, ou místicos como São Francisco e Santo Inácio, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila ou, mais perto de nós, os mártires latino-americanos - impressiona e inspira a vida e a prática de muitos cristãos e cristãs, que buscam ser presença solidária com a dor dos mais sofridos(as) e procuram estar atentos aos sinais dos tempos, que desafiam a uma presença qualitativamente distinta na sociedade.
158.Nessa perspectiva, valorizem-se as experiências já adquiridas, promova-se o intercâmbio entre pessoas e grupos que estão em busca de uma nova espiritualidade, facilite-se o acesso às fontes da grande tradição espiritual cristã, criem-se ou se adaptem centros de estudo e de vivência espiritual.
FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO
159.A formação de que o leigo católico precisa para atuar conforme sua vocação, desenvolvendo a riqueza dos dons e talentos recebidos, não é apenas uma formação espiritual. É uma formação integral, que ajuda a desenvolver a dimensão humano-afetiva, a capacidade de comunicação e relacionamento com os outros, a capacidade de compreender, discernir e avaliar, a perseverança no compromisso e a fidelidade aos valores.
160.As “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora” de 1995-1998 traçam as seguintes orientações para a formação dos leigos:
- seja programada e sistemática;
articule o aspecto antropológico e o teológico;
- seja integrada e tenha como ponto de partida os problemas e perguntas dos leigos, oferecendo-lhes respostas para uma presença cristã no mundo;
- seja orientada predominantemente para a atuação nas transformações sociais, onde o testemunho dos leigos é especialmente qualificado;
- desenvolva eficazmente a capacidade de comunicação e diálogo, aprimorando o relacionamento humano;
- seja diversificada e, nos seus métodos, tempos e conteúdos seja adaptada à diversidade de situações e tarefas dos cristãos leigos;
- dê especial atenção e formação aos cristãos que atuam no campo da vida pública e política.
161.Na formação e nas atividades permanentes dos leigos merece destaque a dimensão ética. Recordamos como atual a indicação de Puebla, que solicita a participação dos leigos “construtores da sociedade pluralista” na elaboração de uma ética social à altura das questões contemporâneas: “A comunidade cristã conduzida pelo bispo estabelecerá a ponte de contato e diálogo com os construtores da sociedade temporal, a fim de iluminá-los com a visão cristã, estimulá-los com gestos significativos e acompanhá-los com atuações eficazes”[140]. “Neste contato e diálogo deve circular, numa atitude de escuta sincera e acolhedora, a problemática trazida por eles do seu próprio ambiente. Assim poderemos descobrir os critérios, normas e caminhos por onde aprofundar e atualizar a Doutrina Social da Igreja, no sentido da elaboração duma ética social capaz de formular as respostas cristãs aos grandes problemas da cultura contemporânea”[141].
162.Da parte da hierarquia e particularmente dos presbíteros, espera-se efetiva disposição de acompanhar os leigos e leigas que atuam nos diferentes campos de evangelização. Muitas vezes os leigos reclamam um apoio espiritual e orientação, que lhes faltam. Os Bispos e presbíteros sintam-se convocados pela Igreja a acolher a participação dos leigos/as em toda a vida de comunidade, respeitando sua missão específica, incentivando sua formação integral e apoiando seu crescimento. Além disso, cabe de modo especial aos Bispos a onerosa escolha de assessores eclesiásticos e diretores espirituais para os movimentos e organizações laicais, que sejam realmente idôneos e bem formados, para representarem dignamente a hierarquia, mantendo os fiéis na sã doutrina do magistério eclesiástico, alimentando sua espiritualidade tipicamente laical, aconselhando, estimulando, dialogando e promovendo a unidade eclesial[142]. Por outro lado, como lembrava o Concílio, os leigos “não pensem que seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão”[143]. Em todo caso, leigos e pastores procurem sempre o diálogo sincero e a complementação de suas vocações e ações a serviço da evangelização.
163.“O protagonismo do cristão leigo requer profundas mudanças no estilo do governo e no exercício da autoridade por parte da hierarquia, para permitir e encorajar comunhão, a participação e a co-responsabilidade dos leigos na tomada de decisões pastorais, valorizando o voto dos conselhos pastorais e a presença ativa dos fiéis em Sínodos e Concílios particulares, conforme está previsto por documentos oficiais da Igreja”[144]. A Christifideles laici encoraja e afirma que “a participação dos fiéis leigos nesses conselhos (pastorais diocesanos) poderia aumentar o recurso à consulta, e o princípio de colaboração - que em determinados casos também é de decisão - e encontrará uma aplicação mais vasta e mais incisiva”.[145]
164.É desejável que em sua missão os cristãos leigos, superando divisões e preconceitos, busquem o diálogo entre si, o intercâmbio fecundo da experiência e da reflexão, a articulação eficaz das iniciativas das pastorais, organismos e movimentos. Tanto mais que a multiplicação dos meios de comunicação rápidos entre as pessoas torna essa tarefa fácil e necessária.
165.Finalmente, dioceses e paróquias favoreçam a organização dos leigos não somente dos que atuam em tarefas intra-eclesiais, mas também dos que se dedicam à transformação da sociedade. Criem espaços onde os leigos, com a necessária autonomia, possam realizar o intercâmbio de reflexão e de experiências e planejar ações comuns. Em particular, ponham em prática a diretriz de Santo Domingo, assumida também nas DGAE[146]: “promover os conselhos de leigos, em plena comunhão com os pastores e adequada autonomia, como lugares de encontro, diálogo e serviço, que contribuam para o fortalecimento da unidade, da espiritualidade e da organização do laicato. Estes conselhos de leigos também são espaço de formação e podem estabelecer-se em cada diocese e abarcar tanto movimentos de apostolado como os leigos que, estando comprometidos com a evangelização, não estão integrados em grupos apostólicos”[147]. Várias dioceses no Brasil possuem os Conselhos Diocesanos de Leigos, que contribuem com o desenvolvimento da formação e espiritualidade próprias, e organizam sua presença na Igreja. Em outras dioceses estão sendo organizados também Conselhos ou Equipes paroquiais de leigos.
PARA CONTINUAR O DIÁLOGO
166.A intenção deste documento é compartilhar com os cristãos e cristãs da Igreja no Brasil algumas das preocupações e esperanças que nascem do desejo de sermos mais fiéis à missão que recebemos de Cristo: anunciar o seu nome, caminho da vida e da esperança.
167.Desejamos que as análises da realidade, as reflexões teológicas e as orientações práticas contribuam para iluminar melhor os caminhos da evangelização em nosso País.
168.Sabemos que nossos irmãos e irmãs generosamente se dedicam ao serviço da vida e da esperança - na solidariedade com os sofredores e excluídos e na partilha da experiência do encontro com o Cristo vivo - em situações muito diversas e a partir das mais variadas vocações, todas dignas e necessárias. Por isso, a leitura desse documento poderá suscitar reações diferentes e enriquecedoras.
169.Pedimos que as Assembléias e os Conselhos Pastorais - comunitários, paroquiais e diocesanos - bem como as comunidades, associações, movimentos, pastorais, ou simplesmente grupos de cristãos e cristãs, reflitam sobre este texto e nos comuniquem suas impressões e reações: situações não levadas em conta, questionamentos não resolvidos, sugestões de esclarecimentos, propostas de ação.
170.Essas contribuições podem ser encaminhadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil através dos Conselhos de Leigos (diocesanos, regionais e nacional) ou através dos Bispos diocesanos.
171.Que os cristãos e cristãs das comunidades de todo o Brasil possam narrar e partilhar entre si e conosco “os acontecimentos do caminho”[148], como fizeram os discípulos de Emaús depois de terem reconhecido o Senhor Ressuscitado na fração do pão!
172.Que o Espírito Santo, em quem a Igreja concentra suas atenções no ano de 1998 na preparação para o Grande Jubileu, infunda o seu fogo no coração de todos aqueles que abraçaram a missão de evangelizar e multiplique neles os seus dons. E que Maria Santíssima, modelo de Esperança, mantenha viva em nós a docilidade ao Espírito e nos ajude a discernir na caminhada os sinais do Deus que “está realmente no meio de nós”[149].
ANEXO 1
ROTEIRO PARA ESTUDO DO TEXTO E QUESTIONÁRIO |
I. DESAFIOS E SINAIS DOS TEMPOS
1. Lendo os nºs 10 a 31 do texto, responder:
a) Quais os desafios mais importantes para nossa sociedade?
b) O que acrescentar e o que excluir desse trecho do documento?
2. Lendo os nºs 32 a 41 do texto, responder:
a) Quais desses sinais (forças e fraquezas) você considera mais importantes? Por quê?
b) Quais outros sinais não foram mencionados aqui?
II – A MISSÃO DO POVO DE DEUS
Fundamentos teológicos
1. A MISSÃO
1. Lendo os nºs 42 a 57 do texto, responder:
a) O que há de comum entre sua missão de leigo(a) e a dos diáconos, padres e bispo de sua diocese? Em que elas são diferentes?
b) Estar presente no mundo exige de você uma missão diferente da dos padres e bispos? Em que se diferencia?
2. O POVO DE DEUS
1. Lendo os nºs. 58 a 91, responder:
a) O que mais lhe chamou a atenção desta reflexão?
b) Qual o ponto de maior união entre padres, bispos e leigos(as)?
c) O que mais dificulta o relacionamento entre bispo, padre e diáconos de um lado e leigos(as) de outro?
d) Como você vê o relacionamento da comunidade com os carismas e ministérios? E vice-versa?
e) Dentre os carismas e ministérios apresentados pelo texto, quais você considera mais necessários? Quais faltaram?
f) Até que ponto a visão da Igreja como Povo de Deus penetrou nas consciências e práticas de nossas comunidades?
III - COMUNIDADE EM MISSÃO
Diretrizes para a evangelização
1. Lendo os nºs. 92 a 106, responder:
a) Qual das características da identidade da comunidade cristã é prioritária? Por quê?
b) Além das que foram indicadas pelo texto, quais atitudes seriam necessárias às nossas comunidades cristãs?
2. Lendo os nºs. 107 a 112, responder:
a) Você está realmente comprometido com a causa dos pobres?
b) Quais experiências significativas você encontra nessa dimensão da presença da Igreja na sociedade?
3. Lendo os nºs. 113 a 120, responder:
a) Como trabalhar em comum com outras Igrejas cristãs?
b) Como relacionar-se com irmãos e irmãs de outras religiões?
c) Como relacionar-se com as culturas (jeito de ser, pensar e agir de índios, negros, pobres...)?
4. Lendo os nºs. 121 a 130, responder:
a) Você está realmente convencido das razões apresentadas pelo documento no sentido de comprometê-lo, assim como sua comunidade ou grupo, na ação evangelizadora?
b) A urbanização criou outros “areópagos” para a evangelização? Como estão atuando os novos apóstolos (leigos e leigas)?
5. Lendo os nºs. 131 a 149, constata-se que uma grande maioria de leigo(a)s estão empenhados quase que exclusivamente na vida comunitária, reforçando desta maneira, uma tendência intra-eclesial da ação pastoral. Diante disso, responder:
a) O que fazer para que a vida paroquial ou comunitária não fique fechada sobre si mesma e se torne testemunha de comunhão para a sociedade?
b) Como transformar a vida interna das paróquias e comunidades em ambiente gerador e sustentador da presença da Igreja na sociedade através da ação dos leigos(a)s?
c) Quais os maiores desafios encontrados pelas quatro exigências da ação evangelizadora em sua comunidade? Como enfrentá-los?
6. Lendo os nºs. 150 a 158, responder:
a) O que têm a ver espiritualidade cristã e transformação da sociedade?
b) Como relacionar o texto de Lucas 24, 29-33 com a atuação do leigo(a) na transformação da sociedade?
c) Quais textos bíblicos ou outros você utilizaria para enriquecer a ação missionária dos leigos e leigas?
7. Lendo os nºs. 159 a 165, responder:
a) O que você entende por “formação integral”?
b) Como trabalhar a formação de nossos evangelizadores leigos e leigas para capacitá-los para a ação pastoral e para o exercício pleno da cidadania?
c) Cite alguma experiência sobre formação integral.
d) Como articular as diversas escolas e experiências de formação criadas por movimentos leigos e espalhadas pelo Brasil?
e) Como organizar leigos e leigas no Brasil para que tenham voz na sociedade?
8. Você tem mais alguma sugestão para o estudo, a divulgação e a aplicação prática desse documento?
ENCAMINHAMENTO DE ESTUDO DO DOCUMENTO
1. PUBLICAÇÃO: na coleção “Estudos da CNBB” (cadernos verdes), até
31 de maio de 1998.
2. ENVIO: - um exemplar a cada Bispo Diocesano;
- um exemplar a cada organismo nacional (Pastoral, Movimento, Conselho...).
3. ESTUDO (com o objetivo de propor sugestões e emendas):
a) nas Dioceses: o Bispo solicita o estudo e o parecer do Conselho Pastoral Diocesano ou do Conselho Diocesano de Leigos ou de uma Assembléia ou de uma Equipe;
b) na Assembléia Nacional do CNL (11-14/6/1998);
c) na Assembléia dos Organismos do Povo de Deus (10-12/10/1998);
d) através da Consulta à SOTER e a alguns teólogos;
e) através da divulgação de artigos e folhetos populares.
4. PRAZO DE ENTREGA das sugestões e emendas ao Secretariado Geral da CNBB: 15 de outubro de 1998.
5. NOVA REDAÇÃO do documento, entre 15 de outubro e 15 de novembro de 1998, integrando as sugestões recebidas.
6. CONSELHO PERMANENTE: apresentação da nova redação (24 a 27/11/1998) .
7. ENVIO DA NOVA REDAÇÃO aos senhores Bispos, logo após 27/11/98, para estudo e envio de emendas ao Secretariado Geral da CNBB até 15/03/99.
8. 37ª ASSEMBLÉIA GERAL da CNBB (14 a 23/04/99): apresentação do texto emendado, votação de destaques e votação final.
INDICE
apresentação
Introdução
I. DESAFIOS E SINAIS DOS TEMPOS
1. Desafios econômicos, sociais e políticos
2. Desafios culturais e religiosos
3. Força e fraquezas dos cristãos
II. A MISSÃO DO POVO DE DEUS
Fundamentos teológicos
1. A missão
A Missão, Obra de Deus
A Missão, Serviço do Reino
Missão e Diálogo
Missão é Evangelização
A Nova Evangelização
A Evangelização nas Diretrizes da Igreja No Brasil
Anúncio do Evangelho E Sinais de Solidariedade
A Competência dos Leigos
2. O Povo de Deus
Igreja da Trindade Santa
Comunhão em Povo de Deus
Povo livre e fraterno
Povo que abre caminhos para o serviço
O mais importante é o que nos une: a condição cristã
Sacerdócio comum - um sacerdócio existencial
Com três dimensões inseparáveis
Ministério ordenado - um serviço à comunhão e à missão
Uma só missão assumida por todos
Com diferentes carismas e ministérios
Carisma e ministério: distinguindo e unindo
Que se entende por ministério?
Tipologia dos ministérios
“Hierarquia e laicato” ou “comunidade-carismas e ministérios”?
III - COMUNIDADE EM MISSÃO
Diretrizes para a evangelização
1. Por uma comunidade profética, missionária, acolhedora, participativa e misericordiosa
2. Serviço e participação na transformação da sociedade pelo bem dos pobres
3. Diálogo com as culturas e outras religiões
4. Anúncio do evangelho
5. Vivência e testemunho da comunhão eclesial
6. Formação, espiritualidade e organização
Espiritualidade do cristão
Formação e organização
Para continuar o diálogo
ANEXO 1 - Roteiro para estudo do texto e questionário
ANEXO 2 - Encaminhamento de estudo do documento
[1] Cf. Lc 24, 13-35.
[2] Cf. Sl 22,2.
[3] Cf. Jo 14, 6. O papa João Paulo II não se cansa de repetir esta mensagem desde o início do seu pontificado.
[4] Cf. Ap 21, 23.
[5] Cf. Ap 21,3-4, que cita Is 25,8.
[6] Concílio Vaticano II, Constituição “Gaudium et Spes”, 1.
[7] Concílio Vaticano II, Constituição “Gaudium et Spes”, 39b.
[8] Cf. Lc 21,28.
[9] Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Centesimus annus, 34 e 35.
[10] O problema, tão grave, é o tema da Campanha da Fraternidade de 1999.
[11] Fazemos nossas as exigências do recente documento da Comissão Pontifícia “Justiça e Paz” : Por uma melhor distribuição da terra – O desafio da reforma agrária (1997).
[12] João Paulo II, Carta Tertio millennio adveniente, 36.
[13] Cf. JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae, 28.
[14] Título original: Christifideles Laici. Este documento permanece uma referência fundamental para o tema de que estamos tratando.
[15] Confira os critérios da eclesialidade da Christifideles Laici, nº 30, as Conclusões de Santo Domingo, nº 102 e o Documento 53 da CNBB, Orientações Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica.
[16] Esses dados resultam da pesquisa realizada em muitas paróquias e, de forma completa, em 37 dioceses, no início do Projeto “Rumo ao Novo Milênio”, no final do ano de 1996. Os dados sobre as celebrações da Palavra provêm da pesquisa do CERIS sobre “Comunidades Eclesiais Católicas”, publicada por R.VALLE e M.PITTA (ed. Vozes, 1994).
[17] Cf. Projeto “Rumo ao Novo Milênio”, nº 89.
[18] Dados do CERIS.
[19] O Papa João Paulo II nos exorta a acolher plena e efetivamente o Concílio, “este grande Dom do Espirito”, na Carta Tertio millennio advceniente, n. 36.
[20] Cf. Mc 10,45.
[21] Cf. Lumen Gentium, 1.
[22] Cf. Gaudium et Spes, 45a.
[23] Cf. LG 2-4.
[24] O tema do protagonismo do Espírito Santo na missão foi enfatizado, mais recentemente, pelo Papa João Paulo II (Redemptoris Missio, 1990, cap. III, nº 21-30).
[25] Cf. AG 35. A afirmação é retomada e desenvolvida pelo papa Paulo VI no nº 59 da Evangelii Nuntiandi (1975).
[26] Cf. AG 6; 19.
[27] Cf. Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 29-37.
[28] Cf. os documentos da Santa Sé Diálogo e Missão (1984), obra do antigo Secretariado para o Diálogo com os Não-Cristãos, e Diálogo e Anúncio (1991), obra do Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso e da Congregação para a Evangelização dos Povos. Cf. também Redemptoris Missio, nº 55-57.
[29] Particularmente na primeira Encíclica, Ecclesiam Suam, de 1964.
[30] Cf. o decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo cristão e GS 3.40.43.90 sobre o diálogo com o mundo.
[31] Cf. Dignitatis Humanae, 3.
[32] RMi, 56.
[33] Cf. Evangelii Nuntiandi, 17.
[34] Gaudium et spes, 4; cf. também GS 11; UR 4; PO 9.
[35] Conhecida também pelo título latino “Redemptoris Missio”; cf. nela os capítulos 1 e 2.
[36] Cf. Redemptoris Missio, 33. O tema já estava desenvolvido na Exortação “Vocação e Missão dos Leigos” (Christifideles Laici) de 1988,. especialmente no nº 34.
[37] Cf. Evangelii Nuntiandi, 20.
[38] Cf. Mc 1,15.
[39] Cf. Mt 11, 4-6; 14, 13-21; At 2, 42-47; 4, 32-35...
[40] Cf. Evangelium Vitae, 2.
[41] Os últimos dois documentos mais relevantes destes organismos são o do P. Conselho “Cor Unum” sobre a Fome no Mundo (1996) e o do P.Conselho “Justiça e Paz”: Por uma melhor distribuição da terra – O desafio da reforma agrária (1997).
[42] Cf. Lumen Gentium, 36b; 33b.
[43] Cf. Jo 17,14.
[44] Cf. LG 2-4; AG 2-4.
[45] Cf. LG 4.
[46] Cf. Ex 20,1-11.
[47] Cf. Ex 23,4-5; Dt 22,1-4; Lv 19,17-18.
[48] Cf. Dt 15,7-8; Lv 19,11-15.
[49] LG 9ab partim.
[50] Cf.1 Cor 7,31.
[51] Cf. 1 Cor 15, 28.
[52] Cf. Mt 25,31-46.
[53] Cf. Rm 4,18.
[54] Cf. Lc 4,18-19.
[55] Cf. Ef 4,5.
[56] Cf. LG 31, que cita Gl 3,28; cf. Cl 3,11.
[57] Cf. LG 12.
[58] Cf. LG 10-12.
[59] Cf. Hb 9,14; 10,10.19-25.
[60] Cf. A. Vanhoye, Sacerdotes antiguos, sacerdote nuevo según el Nuevo Testamento, Salamanca, 1984, 243.
[61] Op. cit., 257-260.
[62] 1 Pd 2,5.
[63] Hb 13,15s.
[64] Rm 12,1.
[65] Cf. A Vanhoye, op. cit., 243.
[66] Catecismo do Concílio de Trento, Segunda Parte, Capítulo VII, 23!
[67] A Vanhoye, op. cit., 320.
[68] Cf. LG 10.
[69] Cf. Gl 2,20.
[70] “A diferença está no modo de participação no sacerdócio de Cristo e é essencial no sentido de que ‘enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da graça batismal – vida de fé, de esperança e de caridade, vida segundo o Espírito – o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum, refere-se ao desenvolvimento da graça batismal de todos os cristãos’” (Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes, Princípios teológicos, Ed. Vaticana, 1997, p. 11).
[71] Cf. PO 2.
[72] LG 30.
[73] Cf. Ef 4,12-13.
[74] 1 Cor 12,4-8 a.
[75] Rm 12,4 ss.
[76] Ef 4,11.
[77] 1 Pd 4,10.
[78] 2 Tm 1,6.
[79] Cf. LG 12b. Além deste texto conciliar, é oportuno lembrar a preciosa síntese que a Exortação Christifideles laici faz no nº 24 a respeito dos carismas: a) são dons e impulsos especiais; b) assumem as mais variadas formas; c) têm uma utilidade eclesial; d) florescem também em nossos dias e podem gerar uma afinidade espiritual entre as pessoas; e) devem ser recebidos com gratidão; f) necessitam de discernimento; g) devem estar referidos aos pastores da Igreja.
[80] Cf. 1 Cor 12,4 ss.
[81] Cf. 1 Cor 12,28.
[82] Cf. 1 Cor 12,22-26.
[83] Cf. 1 Tm 1,6; LG 21.
[84] Cf. 1 Cor 12,28-29; Ef 4,11.
[85] Cf. 1 Cor 12,12-27.
[86] Cf. 1 Cor 12,7.25; Rm 12,9-21.
[87] Cf. 1 Cor 13,1-14,1 a.
[88] LG 32.
[89] Cf. J. Ratzinger, Fraternità cristiana, Roma, 1962.
[90] Cf. LG 31b.
[91] LG 31b.
[92] GS 36b.
[93] LG 33b.
[94] EN 70.
[95] Cf. LG, n. 9.
[96] Cf. PO, n. 6.
[97] Cf. 1 Cor 14,24-25.
[98] Cf. Gl 3,28.
[99] Cf. Mc 2,17.
[100] Cf. Mt 18, 6-10.14; etc.
[101] CD 27; AA 26
[102] DP 645
[103] Cf. CNBB, Vida e ministério do presbítero - Pastoral vocacional. Documento 20, Paulinas 1981, 152.
[104] AG 36; 37; RMi 71.
[105] Cf. Redemptoris Missio, n. 52.
[106] Cf. Evangelii Nuntiandi, n. 17.
[107] Cf. AA 13.
[108] Cf. EN 31.
[109] Cf. Puebla 28; 487.
[110] Cf. CfL 33-35.
[111] Cf. CfL 36-44.
[112] Cf. At 4,34.
[113] Cf. DGAE, 209.
[114] Cf. TMA 33-36. O Papa afirma que a Igreja não deve deixar “de lastimar profundamente a fraqueza de tantos filhos seus, que lhe deturparam o rosto, impedindo-o de refletir plenamente a imagem do seu Senhor crucificado” (TMA 35).
[115] Cf. TMA 34.
[116] Cf. DGAE – 1995-1998, 230.
[117] Cf. 1Cor 14, 25.
[118] Cf. 2Cor 9, 6-14.
[119] Cf. Jo 17, 21.
[120] Cf. LG 12.
[121] Cf. LG 4. Confira também as inúmeras referências ao Espírito Santo indicadas pelo índice analítico dos documentos do Concílio.
[122] Cf. LG 11. Confira também LG 33b e AA 3a.
[123] Cf. EN 2.
[124] AA 24.
[125] Cf. EN 73.
[126] CfL 23.
[127] Cf. Rm 10,14-15.
[128] Cf. Diretório para as celebrações dominicais na ausência de presbítero da Congregação para o Culto Divino, 10.6.1988; Orientações para a celebração da Palavra de Deus, documento da CNBB nº 52, 1994.
[129] Cf. acima, III,1.
[130] Confira as disposições relativas ao ministério extraordinário do Batismo e às testemunhas qualificadas ao Matrimônio na “Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes”, disposições práticas, art. 10 e 11.
[131] Cf. Lc 24, 29-33.
[132] Cf. Jo 15, 1-15.
[133] Cf. At 10,38.
[134] Cf. CfL 59.
[135] LG 55.
[136] Cf. Lc 1,26-38.
[137] Cf. Lc 1,39-45.
[138] Cf. Lc 1,46.55.
[139] PAULO VI, Marialis Cultus, 37.
[140] P 1226.
[141] P 1227.
[142] Cf. AA 25.
[143] Cf. GS 43.
[144] PRNM, 88.
[145] CfL, 25.
[146] Cf. DGAE, 300.
[147] SD 98b.
[148] Lc 24, 35.
[149] 1 Cor 14, 25.
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